Como funciona um carburador? – Parte III – Afinação

By on 28 Dezembro, 2018

Concluímos aqui o artigo sobre carburadores com algumas dicas sobre a afinação dos mesmos. Para aplicações como Motocross ou Trial, em que as motos estão sujeitas a saltos e muita vibração, ou a passar uma boa parte do tempo inclinadas fora da horizontal, convém ter um gigleur de admissão regulado por mola. A figura principal acima mostra o excitador, vulgo choke, a ser removido para limpeza.

A estanquidade da junta entre a válvula e a agulha também deve ser testada. Estes componentes são normalmente fornecidos como um conjunto, calibrado para funcionar em uníssono, pelo que não é aconselhável mudar uma das peças individualmente, devendo o conjunto ser mudado como um todo. Quanto às bóias, há basicamente dois tipos, um com bóias duplas interligadas, que sobem e descem juntas, e outro com bóias independentes, que lidam melhor com mudanças de inclinação para manter o nível constante. As bóias utilizadas nos motores a 2T eram tipicamente muito leves, para obter nível mais baixo, e portanto facilmente danificáveis.

A torneira deve estar desobstruída e ter um fluxo correto

As utilizadas em motores 4T são mais pesadas, afundam mais e portanto acabam por permitir um nível de combustível mais alto nas cubas. É importante verificar o movimento livre da bóia no pino de fixação e que não haja nada a causar prisões na bóia, para que esta possa regressar sem dificuldade à posição mais baixa, em que está a tapar o gigleur de admissão. O ajuste da bóia é efetuado dobrando cuidadosamente o apoio para regular o ponto exato de corte do combustível.

De seguida, é preciso entender o ponto a que cada gigleur interfere no funcionamento do motor. Cada gigleur trabalha em função da posição do acelerador e não do regime do motor. Assim, o gigleur principal não pode curar problemas de ralenti, pois não está sequer a dispensar gasolina nessa fase do funcionamento. A temperatura, utilização e altitude (densidade do ar) também influenciam a escolha de gigleurs. É por isso que muitas vezes se vêm barómetros pendurados numa boxe de corrida. Um motor afinado num dia frio e húmido quase de certeza falha num dia seco de verão e é vulgar ver, especialmente nas corridas nos trópicos, mantas refrigeradas a manter a gasolina fresca, para esta ter uma densidade mais constante.

Carburadores Keihin de guilhotina

Depois, começar por efetuar a rodagem afinando a carburação do lado do mais rico. Isto é especialmente importante numa dois tempos, pois mistura pobre causa gripagens, já que o combustível é parcialmente utilizado como refrigerante e lubrificante. O motor deve primeiro ser aquecido até atingir a temperatura normal. O filtro de ar, se houver um, deve estar desobstruído e todas as ligações de tubos e apertos ajustadas e a funcionar sem problemas. Pode-se colocar uma tirinha de fita no acelerador para marcar o ponto de punho fechado e o de aceleração máxima. Depois, é só dividir a distância entre essas duas marcas duas vezes, para obter meio acelerador, um quarto e três quartos. Obviamente, a posição fechada deverá ser o ralenti. Guiem-se pela cor do elétrodo da vela (castanho é o correto) para analisar os resultados e mudem só uma coisa de cada vez.

Portanto: o funcionamento ao ralenti é controlado pelo gigleur piloto e parafuso do ar, que são ambos acessíveis a partir do exterior do carburador, para permitir justamente afinações finais (ver figura abaixo). Se o motor não funciona ao ralenti, fechem completamente o parafuso do ar (para saber onde estamos e poder medir as voltas de abertura) e depois abram-no um quarto de volta de cada vez. Se até duas voltas do parafuso o ralenti não melhorar, o problema está noutro lado. Será preciso então mudar o gigleur piloto. Como guia geral, para saber se o motor está rico ou pobre ao ralenti, se a rotação flutua, subindo e descendo, está pobre, se o motor engasga ao acelerar, está rico demais. O gigleur piloto controla a mistura até 1/8 do acelerador. Acresce que num sistema com mais que um carburador a sincronização é da maior importância, quer no estado dos parafusos de ar, quer nos níveis das cubas, etc.

Como cada gigleur influencia a carburação

A seguir, o slide ou êmbolo afeta a mistura entre 1/8 e meio gás, ou seja, na fase de arranque. Se ao acelerar suavemente o motor vai abaixo, o slide está pobre – tem de subir. Se o motor se engasga, está rico demais e tem de descer. A agulha e respetivo gigleur afetam a carburação entre meio gás e aceleração a fundo. O slide ainda interfere nesta fase, mas menos. O gigleur de agulha varia em comprimento e diâmetro interno. Num Dell’Orto, por exemplo, a gama AS é mais longa que a gama AV. Quanto mais comprido for, mais a mistura empobrece sob aceleração e acima de meio acelerador.

A agulha, por sua vez, controla as coisas a ¾ do acelerador, regulando quanto combustível é sugado para a admissão. Como varia de diâmetro mas também na forma como estreita, no seu perfil, pode ser a coisa mais difícil de afinar. Quanto mais pronunciado for o seu estreitamento, mais brusca será a transição de pouca para muita gasolina. Aqui, a variável mais controlável é a posição da agulha, que se varia colocando uma cavilha ou anilha de freio nas ranhuras da parte superior, que normalmente são quatro: mais baixa dá mais gasolina, (eleva a agulha) e mais alta menos, pois a agulha estará mais afundada no gigleur de agulha.

Para afinar a agulha, acelerem até meio punho, e após alguns segundos, puxem a embraiagem e desliguem o motor.  Isto chama-se um corte de vela, e o passo seguinte é remover esta e observá-la. A cor do elétrodo devia ser um castanho quase beje. Se estiver esbranquiçado, indica mistura pobre (demasiado ar), se estiver preto ou castanho muito escuro, indica mistura rica demais. Em andamento, os sintomas são uma zona morta a meio e depois começar a trabalhar só com gás a fundo, para mistura pobre. Mistura rica é indicada por engasgar a meio e depois limpar em alta.

Carburador moderno com várias partes plásticas

Finalmente, de ¾ para acelerador a fundo, entra em ação o gigleur principal, que opera quando a agulha está toda fora, permitindo a este debitar toda a gasolina permitida pelo seu diâmetro. Quanto maior for o número deste gigleur, maior será o seu diâmetro, e mais gasolina será debitada, enriquecendo a mistura. Como vimos, é preferível começar rica e descer, por razões de segurança. Um gigleur principal pequeno demais é revelado por quando se fecha o gás para parar, o motor ainda fica acelerado um instante. Se a mistura for rica, e portanto o gigleur grande demais, o motor “bate” e engasga. Finalmente, para verificar que tudo está a funcionar corretamente, comecem por andar devagar, efetuando ajustes conforme necessário até a vela estar com boa cor em todas as posições do acelerador e… boas curvas!

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