Todo-terreno a solo
Todos os praticantes de todo-terreno vos dirão, e concordarão, que o todo-terreno é uma prática que deve ser feita com companhia, que fazê-lo “a solo” não é de todo recomendado. E têm toda a razão! Ainda assim alguns de nós, eu incluído, gostam de uma vez por outra fazer uma aventura a solo. Ficam aqui algumas reflexões absolutamente pessoais sobre este assunto.
Comecemos por afirmar que todo-terreno a solo não é o ideal e acarreta uma série de riscos que não existem numa saída com amigos: a mota avariar no meio de nenhures ou uma queda mais violenta para uma ravina são apenas dois deles. Ainda assim, se tomarmos as devidas precauções, pode ser uma prática relativamente segura e muito recompensadora, transmitindo sentimentos de introspecção, meditação e uma sensação de aventura mais exacerbada por irmos sozinhos.
Muitos de nós circulam diariamente de moto, no meio do trânsito, no “todo-terreno” das ruas e avenidas deste país, lidando com automobilistas ao telemóvel, taxistas, tampas de esgoto mal encaixadas e carris de eléctrico que já deveriam ter sido removidos há muito tempo. Se na nossa aventura “a solo” mudarmos a atitude de “faca nos dentes” de uma picardia saudável quando vamos com amigos para um registo de passeio e lazer será que nos caminhos de terra, com árvores que não saem do lugar, estaremos realmente a correr mais riscos do que durante a semana?
Pessoalmente acredito que não, especialmente se tomarmos as devidas precauções. O que vos deixo de seguida são alguns conselhos baseados em 30 anos de prática de todo-terreno com inúmeras saídas “a solo” ao longo desse tempo.
A moto
A coisa mais óbvia para termos em conta é a própria moto. Sair “a solo” não é para ser encarado de ânimo leve e devemos ter em conta que qualquer avaria poderá ser exponencialmente mais complicada de resolver. Por isso mesmo a moto com que saímos a solo deve estar em perfeitas condições de manutenção e, além disso, ser usada regularmente. De nada serve termos uma moto impecável, com o óleo e filtros trocados imediatamente após a última vez que saiu se isso tiver acontecido há seis meses. A probabilidade de termos um azar é muito superior se compararmos com a moto com que saímos todos os fins-de-semana.
Luzes: é MUITO importante que as luzes da mota estejam em bom estado de funcionamento. Não é necessário que sejam umas luzes especializadas para rallys nocturnos, mas é essencial ter iluminação suficiente para “ir andando” caso caia a noite.
O equipamento
Naturalmente devemos levar o equipamento completo de protecção mas, além disso, devemos considerar mais alguns itens de equipamento. É essencial levar um bom conjunto de ferramentas na sacoche, e saber usá-las! Além das ferramentas uma mochila de água, e meter lá dentro algumas barras energéticas/de cereais, não vá dar-se o caso de haver um azar “no meio do monte” e passarmos umas horas à espera de ajuda.
Obviamente que devemos levar telemóvel e, se possível, um segundo telemóvel de reserva (em Portugal as operadoras com mais cobertura são a Meo e a Vodafone, se for um de cada ainda melhor). Para quem não usa o telemóvel como GPS deverá levar um aparelho GPS.
A preparação
Eu nunca faço uma saída “a solo” sem seguir um track pré-definido no GPS. Regra geral na semana que precede essa saída planeio o track e partilho os meus planos com um ou dois companheiros habituais do todo-terreno. Escolham pessoas que costumem sair convosco e que saibam usar o GPS e o seguir um track para vos encontrarem se for necessário.
Além de partilhar o track devem partilhar a vossa localização em tempo real (pessoalmente tenho usado a aplicação Glympse com bastante sucesso) e vão fazendo um “check up” com o vosso contacto a intervalos regulares, por exemplo nos abastecimentos.
Se navegam com GPS o ideal será carregar os mapas topográficos uma vez que a informação disponibilizada nos mapas aumenta em muito a nossa segurança. Quem navega com telemóvel pode optar por descarregar os mapas para navegação offline.
A preparação do track deve incluir os vários pontos de abastecimento necessários. Sejam conservadores em relação à autonomia da vossa mota neste planeamento para acautelarem eventuais perdas, desorientações ou voltas maiores por causa de alguma propriedade fechada.
Antigamente o site https://www.maisgasolina.com/ disponibilizava um ficheiro GPX com todos os postos de abastecimento, actualmente disponibiliza uma aplicação Android com essa informação.
A mentalidade no próprio dia
Uma saída “a solo” deve ser encarada com as devidas precauções e consciência dos riscos acrescidos que tem. Assim sendo, e falando por experiência própria, o ritmo deverá ser sempre a 80% do que poderia ser, garantindo assim uma boa margem de segurança. Tudo deve ser acautelado “antes”, ou seja, antes daquilo que estamos habituados. Devemos considerar com toda a atenção o tipo de caminho em que circulamos. É um caminho agrícola? Passam tractores ou carrinhas de trabalho? É uma estrada camarária ou de acesso a alguma quinta? Circulam carros ou motorizadas? Estamos numa zona mais turística? Vamos encontrar peões ou ciclistas? Tudo isto deve ser considerado para evitar ao máximo um encontro imediato.
Em zonas mais técnicas, como subidas e descidas, transposição de rios, etc, se existe dúvida a certeza é que não é para fazer. Isto é, se chegamos a uma subida mais trialeira e pensamos “acho que dá” o que isto quer dizer é que devemos dar a volta e procurar uma alternativa. Se nos cruzamos com um rio com maior caudal não tenham receio de molhar as botas para ir verificar a profundidade. É mais fácil escorrer a água das botas do que da caixa do filtro de ar.
Durante a época mais quente é crucial manter um bom nível de hidratação. Se circulam em Portugal não poupem a água que levam na mochila, poderão encher em cada bomba de gasolina sem problema nenhum. O essencial é evitar uma desidratação no meio da serra que poderia ter consequências desagradáveis. No seguimento deste pensamento, durante o tempo quente, tenham o cuidado de descansar. Se se sentirem cansados, seja porque é uma zona de areia mais exigente, ou porque tiveram que empurrar a mota para subir um ou dois degraus mais teimosos, sentem-se um pouco à sombra a recuperar o fôlego.
Se seguirem estas precauções poderão, com certeza, usufruir de umas aventuras fora-de-estrada com uma perspectiva diferente e muito interessante. Usufruam mais da paisagem e da natureza e menos da velocidade e da adrenalina e criarão excelentes memórias!
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