A estrada desfila à minha frente. Sem qualquer proteção, sinto o ar no rosto. É uma excelente forma de despertar. Como se fosse preciso! Aos comandos desta FTR 1200 estou bem acordado há muito…
POR Henrique Saraiva – Viagens ao Virar da Esquina / Fotos Henrique Saraiva / https://www.indianmotorcycle.pt/ftr-family/
A música de Morricone até poderia, em segunda mão, ser a banda sonora. Mas faltaria sempre a revolta da Claudia Cardinale, a harmónica do Bronson ou a frieza do Henry Fonda (só mesmo o nome poderia ser a única parecença com o autor desta prosa).
Não há tiroteios nem caminhos de ferro em construção! Este não é o Oeste de “Once Upon a Time in the West” do Sergio Leone…Não, esta é uma história muito mais pacífica, feita de paisagens e do prazer feito paixão de andar de moto. Com uma moto que não é qualquer uma, mas que evoca na sua matriz genética aquelas pradarias imensas e quem nelas habitava antes das aventuras dos “caubóis”.
SERÁ PRECISO UMA RAZÃO PARA ANDAR DE MOTO?



Por vezes, sim. Mas com uma moto que nos desperta para as sensações mais puras do que é andar de moto, a liberdade de a sentir como um prolongamento de nós próprios, o som que nos recorda (como se fosse preciso) o poder do V-Twin de 1200 cc, o binário a colar-nos ao alcatrão na saída da curva e a dispararmos reta fora, esqueçam a razão. Isto é só paixão! Ah! E também nos sentimos vaidosos ao vermos os olhares (invejosos?) de quem se cruza connosco. É que … ”…a moto é linda”!
Olhamos para o símbolo da marca. O perfil de um Índio, a invocar a herança da conquista do oeste americano serviu de inspiração para o destino.
Vamos para oeste, para o nosso oeste!
São estes pequenos detalhes que nos servem de inspiração. E desta vez os objetivos eram dois: desfrutar da moto e de umas paisagens de encher o olho. Com estradas adequadas, pois claro! Vamos embora, almoçar à Nazaré!
RUMO AO CAFEZINHO MATINAL



Saído de Lisboa, decidi que o tal café seria tomado a olhar o mar na Foz do Arelho.
As estradas secundárias até lá, pela região saloia a norte de Lisboa, cumpriam o objetivo de deleitar-me com as características desta Indian FTR 1200: potente, “rasteirinha” e sobretudo muito divertida.
Quase 100 km para começo de conversa! A rota não tem grandes segredos: de Lisboa, passei em Loures, Cabeço de Montachique, Milharado, Dois Portos. Sempre de sorriso nos lábios, talvez pelo divertimento garantido e por algumas toponímias da zona.
Escapei a Torres Vedras e depois até ao Bombarral, por boa estrada na EN8. Depois a oportunidade de apreciar um pouco melhor as performances da moto no troço gratuito da A8 que desemboca à entrada das Caldas da Rainha e poupar algum tempo, que no Inverno os dias são curtos! Daí até às margens da Lagoa de Óbidos foi um instante. Estava na Foz do Arelho e o cafezinho já tardava!
DA LAGOA DE ÓBIDOS ATÉ À CONCHA DE S. MARTINHO
A designação oficial é EM566. Segue paralela ao mar e atravessa a Serra do Bouro. Boas curvas e vistas dignas de admiração. Leva-me até Salir do Porto – a vista do Miradouro é espetacular, mesmo que a escadaria para lá chegar custe um bocadinho com o peso do equipamento. Passo perto da Duna de Salir, dizem que a maior da Europa. Será? Depois, pela marginal à volta da linda e única baía em forma de concha de S.Martinho do Porto.
É imperdível a vista do alto do Miradouro do Cruzeiro. Ali temos a verdadeira perceção da beleza desta que é uma das mais belas praias do nos so país. Esta baía é o derradeiro vestígio de um antigo golfo que até ao século XVI ia mais para o interior, até Alfeizerão. Prende-nos a atenção o fenómeno geológico que é a abertura da baía para o mar, ladeada pelos dois morros: do Farol e de Sant’Ana.
A CAMINHO DA NAZARÉ



Não é preciso regressar a S. Martinho. A estrada está logo ali, a caminho da Serra dos Mangues primeiro e da Serra da Pescaria depois. Passo perto da Praia do Salgado, um dos locais de veraneio preferidos desta região e logo depois começo a descer para a Nazaré. Nada como tirar umas fotos porque a paisagem é mesmo bonita e o dia ensolarado ajuda. Este percurso, da Foz do Arelho até à Nazaré é complementar, mas não faz parte da Estrada Atlântica: o trajeto paralelo à costa oceânica e que vai da Praia do Norte até à Praia do Osso da Baleia, perto da Figueira da Foz.
Uma estrada que recomendo, principalmente se houver tempo e paciência para ir visitando as muitas praias e praínhas que ficam ali mesmo ao lado. Se possível aprender um pouco sobre a arte xávega e, já agora, visitar também a Lagoa da Ervedeira.
Vale a pena
Contorno o Porto da Nazaré e sigo pela marginal. O mar está apetitoso, a temperatura é que não! Voltinhas pelas ruas do centro – por causa dos sentidos proibidos e não para andar a exibir a FTR1200! – e lá cheguei perto do local do repasto. Moto em cima do passeio, que lugares para estacionar motos não há. Fica ao lado de 2 GS’s que quando regressei já lá não estavam. Será que a companhia lhes roubava a atenção?
O ALMOÇO
Referências gastronómicas nesta rubrica só em situações excecionais. É o caso!
No centro da Nazaré, terra de pescadores e das mulheres das sete saias, por recomendação de um amigo, fui à Tasquinha. Se o repasto estava excelente – sopa de peixe, carapaus grelhados escalados, sobremesa e café – o serviço é 5 estrelas. Desde o moscatel para abrir o palato e ajudar à espera pela mesa (é verdade, ou reserva, ou espera que a procura é muita) até à atenção do patrão durante o repasto, sentimo-nos como se fossemos clientes de todos os dias. E foi apenas a primeira vez, mas não a última, acreditem! Almoço terminado, faltava o último destaque deste passeio.
A INEVITÁVEL IDA AO SÍTIO DA NAZARÉ
Se foi o surf que colocou a Nazaré no mapa nestes tempos mais recentes, a sua história vem de muito longe. E o Sítio é protagonista principal. Subir até lá, contemplar a baía da Nazaré e espreitar o paraíso mundial do surf de ondas gigantes é obrigatório.
Temos que recordar a lenda de D.Fuas Roupinho que miraculosamente não se despenhou lá em baixo no mar e por isso mandou construir a Capela da Memória (Séc. XII), ao Santuário de Nossa Senhora da Nazaré (Séc. XVII), até à Fortaleza de S. Rafael com o seu farol e situada no extremo do promontório que olha lá abaixo para o afamado Canhão da Nazaré, responsável pelas ondas gigantes que impressionam e celebram estas paragens em todo o mundo. Hoje não era dia, o mar estava chão!
O FINAL DA VIAGEM




Os dias pequenos do Inverno obrigam-nos a encurtar os percursos. Conduzir à noite não tem particular atrativo. Neste caso com facto acrescido de ser domingo e a volta a casa coincidir com o regresso de muitos que desfrutaram de um bonito fim de semana quase
primaveril e fora de época.
A tarde já ia a meio e para a história ficam os cerca de 130 km de passeio que me levaram até à Nazaré e aproveitei para revisitar alguns dos meus locais favoritos ainda por cima em excelente companhia: a Indian FTR 1200.
O regresso foi apenas isso mesmo: o regresso pelo caminho mais curto. E do trânsito não vale a pena falar, a não ser para referir que a Indian se desembaraça dele com uma facilidade enorme. Assim vale a pena!
NOTA FINAL

Este é o primeiro Roteiro Viagens ao Virar da Esquina de 2025. Em 2024 andámos um pouco por todo o lado, começámos no Portal do Inferno, lembram-se? Depois fomos comer umas migas ao Alentejo litoral (e fazer umas curvas). Castelo do Bode veio a seguir e regressámos ao Alentejo, desta vez até ao Alqueva e redondezas. Subimos até às Beiras e fomos da Anadia a Trancoso, numa rota (quase) improvável, antes irmos até lá abaixo, para nos divertirmos na Serra de Monchique.
O Verão estava à porta e para aperitivo do que aí viria, andámos pelas serras da região saloia: Montejunto e Candeeiros. Depois, uma espetacular 64 viagem pelo norte da Península que vos contei em três episódios (média de um por cada mil quilómetros!).
Até ao final do ano, atravessámos Portugal, unimos duas fronteiras e terminámos com a minha “Volta dos Alegres”: Arrábida pois claro! Foi um bom ano. Para todos desejo um 2025 cheio de curvas, daquelas boas que nós gostamos. E não se esqueçam: para nos divertirmos não precisamos ir longe. Há sempre uma viagem ao virar da esquina à nossa
espera! Um abraço. Feliz 2025!