Dizer que é sedutora, atraente ou mesmo cativante seria um desprimor para a nova Ducati Streetfighter V4S. O amoroso sentimento de carinho não faz qualquer sentido quando se fala desta despudorada superbike, instigadora, isso sim, das mais veementes paixões, dos mais arrebatadores desejos. Afinal, esta é uma verdadeira Panigale, daquelas que brilham no Mundial SBK, mas sem roupas. Para consumir com moderação!
POR PAULO RIBEIRO/MOTOX.PT • Fotos ALEX PHOTO/DUCATI
O aviso deve ser deixado desde o primeiro momento! Esta é uma moto que permite ultrapassar os limites da alucinação e tornar-se verdadeiramente selvagem. Como aquelas mulheres que fazem voltar a cabeça, prometendo inesquecíveis momentos de paixão intensa, mas cuja beleza e atitude podem criar muitas dores de cabeça. Das prevaricações que podem sair bem caras, por excessos incontroláveis, às particulares exigências físicas.

Com a Streetfighter V4S, a Ducati criou um novo caminho para a loucura. Aqui não há concessões na busca de uma performance em tudo igual à Panigale V4. Afinal, com 214 cavalos (apenas menos 2 cv que a SBK) para 189 quilos de peso, um chassis e eletrónica iguais, tudo é performance e precisão. A conhecida eficácia absoluta em pista é aqui acompanhada pela máxima diversão em estrada, onde prevalece a confiança e o conforto. Que é como quem diz: tratemos a mais irreverente das amantes com todo o respeito e carinho (usando o bom senso e toda a eletrónica disponível) e poderemos ter uma relação fácil e amigável. Sejamos atrevidos, quiçá brutos com ela, e descobriremos a mais insana das companheiras, uma fera quase impossível de domar quando tudo está desligado.
COMPORTAMENTO DE EXTREMOS

A eletrónica é a chave principal para um comportamento autenticamente bipolar. Experimente-se o mais amigável dos quatro modos de condução, o Road, e é possível sentir o crescendo de pujança do motor Desmosedici Stradale V4 desde regimes tão baixos quanto as 3000 rpm. O carácter mutante em função da rotação do punho direito, ganhando em diversão a partir das 4500 rpm, ficando ‘ameaçador’ a partir das 8000 rpm e torna-se brutal quando o conta-rotações entra nos cinco dígitos. Mas sempre controlável. Opte-se depois pelo insano modo Race, pensado para máxima eficácia em circuito, e a Streetfighter transfigura-se por completo, encarnando um indomável cavalo selvagem.
Abordagem simplista do completo pacote eletrónico que conta com 4 modos de condução (Wet, Road, Sport e Race), com 8 níveis de controlo de tração (DTC), 4 níveis de entrega de potência (Full, Alta, Média e Baixa), 8 níveis de controlo de cavalinhos (DWC), 2 níveis de controlo de derrapagem (DSC) e 3 níveis de efeito de travão-motor (EBC). Claro que é possível desligar boa parte destas ajudas ou adaptá-las ao estado de espírito do momento. Mas o mais seguro mesmo é usufruir da experiência acumulada pela Ducati Corse no Mundial de MotoGP e aproveitar tudo o que o Ducati Vehicle Observer (DVO) pode fazer por nós, meros motociclistas, longe das aptidões de pilotagem de Marquez, Bagnaia e companhia.
Um algoritmo que utiliza dados de mais de 70 sensores para antecipar cada decisão, sendo proativo e não simplesmente reativo, adaptando-se em cada instante às necessidades de uma pilotagem mais rápida, eficaz e segura. Simplificando, com um trivial toque de botão e correspondente mudança eletrónica, é fácil encurtar as retas e aproximar as curvas, alterando por completo as dimensões de tempo e espaço. O que nos transporta para outros planos, entrando mesmo numa espécie de famigerada quarta dimensão, onde surgem novas referências.
Como a versão 2.0 do Ducati Quick Shift, extremamente preciso, de curso reduzido e com excelente feeling no seletor. Ou as asas biplano, que garantem uma pressão aerodinâmica descendente de 45 kg a 270 km/h, melhoria importante (+17 kg) face à anterior versão. ‘Downforce’ que é contributo imprescindível para manter a roda dianteira no asfalto quando se desliga o ‘anti-wheeling’, garantindo a necessária estabilidade.
COMPONENTES DE CONFORTO

Esta questão dos ‘wheelies’, das habilidades e emoções fortes, contrasta com o ganho de décimos de segundo, preocupação absoluta no desenvolvimento de uma desportiva de raiz. Em ambos os casos há duas análises indissociáveis, começando pelo excelso sistema de travagem que, além de uma potência avassaladora e fácil controlo da (pouca) pressão necessária na manete, destaca-se pela resistência à fadiga. Comprovada pelo escasso aquecimento das pinças monobloco Brembo Hypure ao longo das estradas montanhosas a norte de Almeria, já nas faldas da Sierra Nevada.
Por outro lado, a posição de condução, bastante natural, afasta-se naturalmente da Superbike. Tanto mais que o guiador mais próximo (10 mm) do condutor, o depósito mais estreito na zona dos joelhos, o banco mais longo e mais largo atrás, oferecem um espaço mais generoso, ampliando a sensação de conforto para pilotos de todos os tamanhos.
Conforto que é sinónimo de eficácia, tanto a direito (descontando a natural ausência de proteção aerodinâmica) como nas mais incisivas mudanças de direção. Algo bastante sensível em estrada e explicado pelas diferenças estruturais na parte frontal, com menos 39% de rigidez lateral, enquanto o braço oscilante tem menos 37%. O que se traduz numa facilidade na entrada em viragem e, ainda mais notório, ao saltar de curva em curva, com grande agilidade acompanhada, ainda e sempre, por elevada estabilidade em inclinação.
Valores de serenidade que assentam ainda no amortecimento eletrónico entregue à Öhlins e gerido pelo sistema ‘inteligente’ Smart EC 3.0. Que, em estrada, faz autênticas maravilhas. O nível de conforto pode considerar-se muito elevado para uma superdesportiva, mas o que sobressai é a capacidade de corrigir os excessos de pilotagem.
O PECADO DA SOBERBA

Ahhh… E como é fácil exceder-nos quando temos 214 cavalos por nossa conta! Como é vulgar cometer cândidos pecados, traídos pela soberba ou pela gula. Um motor atualizado, mais potente (6 cv) apesar dos limites impostos pela normativa Euro5+, que viu redesenhado o perfil da árvore de cames, ganhou um novo rotor do alternador e bomba de óleo, tambor da caixa de velocidades oriundo da Superleggera V4 e condutas de admissão de comprimento variável (de 25 a 80 mm) para otimizar a eficiência volumétrica.
Já aqui o dissemos e voltamos a sublinhar. A eletrónica está lá para nos manter no caminho do Bem! Mas, bolas, a tentação é muito grande. Claro que podemos optar pelo comportamento suave e amigável, quase dócil do modo Road, simplesmente desfrutando da estrada e da paisagem. Ou ceder à tentação de optar pelo Sport, atenuando os limites impostos pela eletrónica, para desfrutar de uma atitude agressiva. E aí nada como tirar o máximo partido do preciso ‘quickshiter’ e de uma relação final mais curta do que na Panigale (14/42 vs. 16/41) para uma resposta mais pronta à rotação do acelerador e maior eficácia em saída de curva.
Para os mais atrevidos, a flexibilidade do V4 pode ser levada ao extremo no modo Race, pouco aconselhável em estrada, criando uma besta difícil de domar. O binário disponível desde muito cedo e as ‘toneladas’ de potência descarregadas ao mínimo toque do acelerador transformam a Streetfighter numa arma de destruição maciça… do pneu traseiro. Que vai escorregar, torcer-se e reclamar, lutando por colocar no asfalto toda a potência, enquanto o Pirelli Diablo Rosso Corsa IV dianteiro ganhará natural tendência a apontar para o céu. Isto apesar das novas asas que tentam contrariar esse comportamento de alucinante irreverência.
Vá lá que nestas alturas podemos tirar o máximo partido do Race eCBS, sistema de travagem combinada que junta ainda o Cornering ABS e o Slide by Brake, que permite desacelerações à la MotoGP. E que com 5 níveis permite escolher entre a máxima estabilidade para condução à chuva até à maior sensibilidade e menor intervenção eletrónica no nível 1, de ‘maximum time-attack’. Que, num momento de alucinação altamente desaconselhado, testámos em estrada, com tanto de brutal como… assustador. Afinal, esta não é uma máquina para meninos!
CONCLUSÃO
Com 214 cavalos à disposição e uma relação de 1,13 cv/kg, ninguém no seu perfeito juízo poderá exigir um comportamento equilibrado a qualquer condutor candidato a piloto do mundial. É óbvio que o fruto proibido é o mais desejado e, para isso, nada como uma eletrónica de eleição para manter os pés, ou melhor, os pneus, na Terra. Mesmo se é certo que, com a Streetfighter V4S, de génio e de louco todos teremos um pouco…
FICHA TÉCNICA
DUCATI STREETFIGHTER V4S
Motor: V4 a 90º Desmosedici Stradale, refrigeração líquida, distribuição desmodrómica. Euro5+
Cilindrada: 1103 cc
Alimentação: Injeção eletrónica. 2 injetores por cilindros. Condutas de admissão de comprimento variável
Potência Máxima: 214 cv às 13.500 rpm
Binário Máximo: 120 Nm às 11.250 rpm
Caixa: 6 velocidades com Ducati Quick Shift 2.0
Quadro: Secção frontal tipo MotoGP em liga de alumínio
Suspensão Dianteira: Forquilha telescópica invertida Öhlins NIX30 com tratamento exterior de TiN, diâmetro 43 mm, curso de 125 mm. Ajuste eletrónico de compressão e extensão através do sistema Öhlins Smart EC 3.0
Suspensão Traseira: Braço oscilante em alumínio oco com amortecedor Öhlins TTX36 com ajuste eletrónico de compressão e extensão através do sistema Öhlins Smart EC 3.0. Curso de 130 mm
Travão Dianteiro: Dois discos de 330 mm, pinças radiais Brembo Hypure de 4 pistões de fixação radial. Race eCBS
Travão Traseiro: Disco de 245 mm com pinça de 2 pistões. Race eCBS
Pneu Dianteiro: 120/70 x 17”
Pneu Traseiro: 200/60 x 17
Distância entre eixos: 1496 mm
Altura do Assento: 845 mm
Peso (em ordem de marcha): 189 kg
Depósito: 16 L
Consumo: 7,1 L/100 km
Cores: Ducati Red
Garantia: 3 anos
Importador: Ducati Ibérica
PVP: 29.105 €
PONTUAÇÃO
DUCATI STREETFIGHTER V4S
Estética 3,5
Prestações 5
Comportamento 4,5
Suspensões 4
Travões 4
Consumo 3
Preço 3