A poucos dias do começo de mais um Dakar, revemos a moto que venceu a primeira edição em 1979
POR Paulo Araújo Fotos Paula Brandão

Com as suas linhas fluidas e cores apelativas, a XT500 quase poderia passar por uma moto moderna, apesar dos seus 35 anos, não fossem as soluções algo datadas de travagem e suspensão. Após cerca de 34 anos, é natural que me tivesse esquecido da sequência exata de arranque para a XT500, a primeira grande monocilíndrica japonesa, que em 1976 deu origem a todas as réplicas Paris-Dakar que se lhe seguiram.

O dono do exemplar ensaiado, porém, fez questão de nos recordar: Ligada a chave, giramos o motor devagar com o pedal, ajudados pelo descompressor no polegar esquerdo, até que o ponto branco na came alinhe na escotilha de vidro na cabeça das válvulas.
Desta posição, um só “kick” determinado de alto a baixo pega o motor, geralmente sem mais complicações e dispensando completamente o motor de arranque, que só apareceria umas gerações mais tarde nas XT600.

O ruído proveniente do motor é um misto de suavidade japonesa com algum bater de grande monocilíndrico e roçar de transmissão na cabeça refrigerada a ar. Por tudo isto, porém, quando arrancamos, a XT é um modelo de suavidade, quer da embraiagem muito leve, quer do seletor que mostra que, já na altura, a Yamaha sabia uma ou duas coisas de caixas de velocidades que outras japonesas ainda haviam de aprender.
A sensação de suavidade geral é ainda amplificada pela suspensão macia com grande amplitude de movimento, a léguas das “scramblers” inglesas anteriores, que na verdade pouco mais eram que uma variante do respetivo modelo de estrada com escapes elevados e pneus de tacos.

Até os japoneses, com a Honda 305, seguiram esta via inicialmente, mas a Yamaha tinha visto o potencial no maior mercado de motos do mundo de então, os Estados Unidos, onde toda a maneira de doidos pela competição se viravam para os desertos da California, e não só, todos os fins-de-semana, numa variedade de veículos adaptados para o todo-terreno.
Depois, coube à visão genial de Jean Claude Olivier, “Monsieur” Yamaha em França, que mais tarde traria também a V-Max para a Europa, convencer as potências da marca de Ywata que a moto venderia bem igualmente no velho continente. Foi justamente em França e na Alemanha, países em que as categorias de seguro penalizavam particularmente as motos acima de 500 cc, que a XT vingou.

Até então, um macho francês que se prezasse, ou era visto numa quatro cilindros de alta cilindrada estilo Z1 ou CB750 Four, ou ridicularizado. A XT trouxe uma combinação de média cilindrada, e da economia a ela associada, com credibilidade de moto grande, um grande “tump-tump-tump” de um único cilindro e acabamentos de motor a negro que faziam as delícias à porta do café e, mesmo em mãos só mediamente competentes, não se acanhava na hora de enfrentar algum estradão.
36 anos depois do seu lançamento, ainda é fácil ver porquê. O motor sobe de rotação com um binário amplo e muito agradável, que quase dispensa trabalho de caixa acima das 4.500 rpm, embora umas teóricas 7 mil rotações sejam possíveis. A ciclística, embora exibindo o movimento preguiçoso das longas suspensões de garfo convencional e duplo amortecedor traseiro, deixa-se levar a inclinações no mínimo improváveis a curvar no alcatrão para o tipo de pneu e roda dianteira de 21”, e o banco bem acolchoado, manetes macias e posição de condução natural fazem o resto.

Claro que fora de estrada a roda dianteira de 21”, se por um lado permite enfrentar buracos com alguma confiança, por outro torna a frente algo menos manobrável do que uma TT atual. Mesmo assim, a XT500 não revelou vícios ao percorrer um estradão em ritmo modesto, e mostrou-se uma montada voluntariosa e flexível, mesmo a dois.
Terá sido por isso que muitas foram dotadas de malas e fizeram de turística-aventureira com sucesso e, ainda por cima, economia. Na sua altura, o peso de 140 Kg também não era excessivo, pelo contrário, e com uma altura de banco de 840mm, não tardou que o elemento feminino mais corajoso a adotasse também, com alguns truques para a tornar mais amigável, como rebaixar a suspensão ou cortar alguma espuma do assento.
A travagem, a cargo de dois tambores que só ocupavam parte do cubo da roda, é suficiente no alcatrão sem se tornar um susto em terra, pois permanece linear e previsível.

Piscas montados em hastes de borracha e depósito estreito, quase sensual, mostram até que ponto os designers da Ywata acertaram com os detalhes deste modelo, extensamente copiado a partir daí por japoneses, italianos e alemães. Depois, o carburador único Mikuni de 32mm dava surpreendente economia, cerca de 5 litros aos 100, ou seja, menos que uma 125 a dois tempos da época, mas nenhuma 125 atingia os 160 Km/h ou permitia atravessar terreno solto com pendura em relativo conforto, Km após Km, como a XT. A solução do óleo no quadro para o motor de cárter seco, adotada de algumas inglesas com grande sucesso, permitia compactar ainda mais o conjunto, que é estreito e pouco maior que uma 125 atual.

Uma versão só ligeiramente modificada deu a Cyril Neveu a vitória no primeiro Paris-Dakar e o modelo foi o molde para as XT e Ténéré que ainda hoje fazem sucesso. Ao longo dos 14 anos em que foi produzida, subtis mudanças nos gráficos do depósito e tampas laterais e tons de componentes periféricos como os piscas ou coco do farol foram distinguindo os modelos e renovando o seu aspeto à medida que a concorrência acordava.
Ensaiá-la de novo, ainda que brevemente, foi como recordar uma velha amiga, que tivesse perdido muito pouco com a passar dos anos e ganhou até, em coisas como charme e exclusividade, pois não é uma visão nada vulgar hoje em dia nas nossas estradas ou encontros de clássicas.















