2 – Da Yamaha TZ350 à Kawasaki Spondon e à Bol d’Or das Clássicas, muitas peripécias e muitos ensinamentos…

Em plena ação com a Yamaha RD350LC numa das retas de Snetterton. Ainda hoje guardo este fato e capacete Bell
No ano seguinte, 1985, como tinha vendido a LC350, tinha de haver evolução, pelo que encontrei uma Yamaha TZ350 barata, muito particular… como os motores Yamaha eram bons, mas a ciclística fraquita, surgiram imensos quadros, alguns com nomes famosos, só em Inglaterra, Spondon, Maxton, Harris, Seeley, e no continente Bakker, Egli, Cobas, etc. e a minha, que era uma Camber… coisa desconhecida, feita de tubos finíssimos, parecia uma 125 onde tivessem encaixado um motor maior.
Eu mal sabia mudar as velas, e as TZ são motos de grande consumo. Para andar bem, cada corrida em teoria era mudar velas, pistões, segmentos, agulhas de carburador, etc.

A moto só pegava de empurrão e passei uma data de corridas a não acabar com algum problema… a classe de 350 Open tinha os tipos mais rápidos de Inglaterra, felizmente havia a série Champion of Brands, em que se corriam duas eliminatórias, e os primeiros 18 de cada (grelha de 36) faziam a corrida final, ou seja, por uma inscrição faziam-se 2 corridas, porque eu acabava sempre por qualificar para a final. Um dos rápidos da altura era o agora jornalista Roland Brown,
Em Portugal, a primeira prova do ano era com o Campeonato Europeu no Estoril. As 350 tinham acabado, portanto tínhamos de correr nas 500, dizendo que as motos eram 375cc… malandrice!
Eu tinha ajudado um piloto da Suzuki Skoal Bandit, Chris Martin, que tinha aparecido com um braço ao peito e os médicos da prova não o queriam deixar correr.
Expliquei que ele era um profissional e para eles, era normal correr ainda a recuperar de lesões, e eles lá o deixaram alinhar… A equipa ficou tão agradecida que o mecânico, com pena de mim, me afinou os carburadores e a TZ voava…
Nunca tinha tido até então a sensação de ter de me encolher dentro das carenagens com a deslocação de ar na reta do Estoril a tentar mandar o corpo fora da moto… TZ que diga-se, tinha o seletor invertido… nos treinos, com a adrenalina, fui 2ª, 3ª e em vez de 4ª, descoordenei-me e desci para segunda de novo… O sacão que a moto deu quase me cuspiu, continuei sem pensar mais, até que já no paddock alguém me diz: “O que fizeste aí?” Com a reação ao esticão para não cair, tinha rasgado um músculo e tinha uma zona de sangue pisado na coxa do tamanho de um melão… E logicamente, não tinha qualificado.
O Joe, por seu lado, tinha qualificado, mas partira a YPVS com escapes de rendimento Swarbrick, que não limitavam a rotação até gripar… Solução, alinhar ele na minha moto, depois de expor o caso aos organizadores e trocar de números. Acho que andou nos primeiros 14 numa grelha cheia de 500 de Grande Prémio…

Tenho boas memórias dessa prova, uma foi ver o abismo que já existia entre Espanha e Portugal então… um concorrente do Europeu 500 Espanhol, um tal Parra, tinha um camião TIR daqueles de abrir para os lados, fatos Dainese, uma Suzuki RG500 do melhor e… não andava uma beata. Tenho a certeza que o Joe ficou à frente dele na minha 350 com um Michelin TG22 velho na traseira!
Na prova do Nacional no mesmo fim de semana, tinha ficado em 4º, que na altura dava direito a taça, o meu melhor resultado de carreira… à custa de vários terem caído ou avariado, diga-se…
Chegado Julho, lá fomos para Vila Real. A TZ com tampas da LC anterior, que encaixam direitinhas, passava por TT F2 e ninguém iria argumentar que andava mais que as Ducati Pantha semi-oficiais do Tony Rutter ou Trevor Nation… Aliás, a classe TT F1 (abaixo) entretanto tinha passado a 750 e nela alguns portugueses corriam com 900… mas ninguém se ralava, eram motos de estrada contra máquinas de fábrica da Honda UK, Suzuki GB, etc.

Desta feita, tive mais problemas, acabei um treino com o escape a cair, foi o próprio Tony Rutter que o rebitou e nunca mais se soltou… Foi o ano em que o Nation veio a andar por estrada numa Suzuki GSXR750, pôs-lhe números, cortados no camping de Vila Real com uma tesoura de costura da minha namorada, (colagem acima) e foi todo contente marcar pontos de Mundial a andar aí em 4º ou 5º…
Na prova do Nacional dessa vez, a moto começou a falhar, arrastei-me pela descida de Mateus, vim encostar na Salsicharia e fiquei a ver o resto da corrida… às tantas, olhei para a moto e percebi a avaria… a chapa de fixação da bobine Motoplat tinha rachado, e era através dela que se fazia a massa para o quadro.
Para mais, no fim, a organização amadora insistiu em levar a minha moto para o Parque Fechado, ilegalmente, porque uma moto que não terminou a prova não tem nada que recolher ao Parque Fechado, mas perdi o derradeiro treino da TT F2, não qualificando de novo… A TZ acabou por ficar em Portugal e acabei por ficar sem ela depois de umas confusões em que quiseram apreende-la por não ter matrícula (!)

Parei um ano em 1986 – mas estive em Vila Real a ver! – e propus-me voltar numa 750, para poder fazer a TT F1 pelo menos uma vez.
Em fins de 86 contraí um empréstimo, com ele comprei uma Kawasaki com quadro de alumínio Spondon, suspensão WP e ciclística de TZ750 e lá me preparei para a época… a moto nunca pegava, e descobrimos que, como era dos irmãos Brindley, ex-Ilha de Man e conhecidos trapaceiros, era posta a trabalhar em rolos e tinha o avanço motor soldado em alto regime, ou seja, nunca ia pegar de empurrão…

Com a ajuda da Mistral Engineering, (onde trabalhava um jovem Tony Slick, mais tarde mecânico dos 4 títulos de SBK de Carl Fogarty) lá rebarbámos o impedimento e diverti-me bastante com esta moto, que era o oposto das anteriores: ciclística de excelência, mas um motor GPz750 arrefecido a ar algo cansado… Tinham aparecido as Kawasaki GPZ900R Ninja, que se torciam todas comparado com o quadro Spondon, mas nas retas iam embora como se eu estivesse numa 250… Com esta moto, tive as minhas única quedas em Inglaterra, uma em Snetterton à chuva e outra em Brands a tentar acabar em seco com um pneu de chuva.
Para Portugal, só íamos a Vila Real, o Joe levou a carrinha, por essa altura uma Mercedes, com a ideia de fazer a prova anterior do Campeonato, no recém-estreado Jerez de la Frontera.

Eu ia lá ter de avião, mas dalgum modo, a minha Kawasaki foi considerada mais competitiva que a GPZ do Joe e avariou quando tentaram correr com ela sem me pedir ou informar, sequer. Quando cheguei a Vila Real, nunca conseguimos pôr o motor a trabalhar e não dei uma única volta em pista… descobrimos depois que o “mechanico” que o Joe tinha levado tinha trocado as cames e a moto nunca ia funcionar… mais uma vez, ficou em Portugal, desta vez razoavelmente bem vendida, e tanto quanto sei está no norte com um motor de Suzuki e legalizada para a estrada!

Decidi que ia ser “piloto de fábrica”, não ia gastar mais dinheiro em motos e só ia correr por convite… e a verdade é que o convite surgiu, mais umas 200 Milhas do Estoril, o Joe tinha uma Yamaha FZ750, que antes tinha marcado pontos nas 8 Horas do Estoril com o Manuel João e o Toni Contente Fernandes… com tudo o que era bom retirado, rodas Marvic, cames de corrida, etc.

Ora, sendo uma resistência para 2 pilotos, o Joe foi convidado para correr na Suzuki da Pepsi, e a sua moto ficou livre… fiz equipa com o futuro Campeão de 125 Jorge Dias, na sua estreia a conduzir uma 4T, e não nos demos mal… 7º, mais uma vez, por mau trabalho de equipa, porque descobrimos depois que uma equipa de 125 Promoção ficou 35 segundos à nossa frente… tenho a certeza que ou eu, ou mais facilmente o Jorge, teríamos recuperado 35 segundos se soubéssemos!

Arranque da TTF1, 1987- Se acham que os Nº 1, 11 e 47 são muito parecidos… foram todos cortados por mim, à mão. Eu estou lá atrás…
Voltei a apanhar outra FZ750, desta ex-Vítor Fidalgo, para Vila Real esse ano… mais uma vez, boa corrida do Nacional, 5º ou 6º, e problemas da TT1, em que a moto começou a falhar e, a tentar voltar à boxe em andamento lento, me deram bandeira negra… pelo menos, partilhei a grelha (abaixo) com os irmãos Dunlop, Carl Fogarty, (1) Steve Hislop, (47) Brian Morrison, (11) Paul Iddon, Anders Andersen, Andy McGladdery e muitos mais… a dobragem que Robert Dunlop, (50) pai do atual Michael Dunlop, me fez à entrada da chicane da estação foi poesia, suavidade e precisão, passou-me pela direita na descida e desapareceu, logo apenas um pontinho mais adiante na Ponte do Corgo…

Essas foram as minhas corridas “sérias”, e devo dizer que nunca perdi de vista a razão porque comecei a correr… Andava de moto há anos, tinha feito duas travessias da Europa e tido para ai 10 ou 12 motos, fazia muita da manutenção eu próprio, lia tudo o que havia e correr era só mais uma coisa que tinha de experimentar…sem nunca correr riscos excessivos nem perder a noção das coisas.

Mais recentemente, ainda corri nas clássicas com uma CB900 Bol d’Or e, antes disso, alinhei em algumas como jornalista convidado, notavelmente com o falecido Carlos Grazina Tavares na Fireblade Repsol do Saraiva. (foto de abertura)

Numa outra resistência, fomos convidados, eu e o Carlos Coutinho da Moteo, a partilhar a CBR600RR dum tal Paulo Oliveira… a meio da corrida, magoou-se e no fim, anunciou: “Esta foi a minha última corrida, agora vou-me dedicar ao meu filho!”
A minha carreira de piloto tinha terminado… e a de Miguel Oliveira ia começar!
