Parte 1
As emblemáticas RG e RGV500, motos a 2 tempos de Grande Prémio da Suzuki, estiveram no centro do domínio japonês do Mundial na classe de 500, lado a lado com a Yamaha e a Honda, mas com um período de ouro mais longo que ambas

Entre 1974 e 2001, a moto evoluíu constantemente, conquistando 5 campeonatos Mundiais, 37 Grandes Prémios e 9 títulos de construtores.
Desde que as 500 deram lugar na classe rainha às MotoGP, há um par de décadas, é fácil quase esquecermos a Suzuki, labutando com as suas 4T na traseira do pelotão sem grandes resultados até desistir em 2022, apesar dos esforços de pilotos de topo como Joan Mir ou Alex Rins.
É no mínimo irónico que uma marca detentora da referência em desportivas de estrada se tenha “perdido” a transferir essa tecnologia para as pistas- tanto mais, que, nas 500 a dois tempos, a Suzuki foi não só a máquina a bater muitos e longos anos, mas também a escolha natural de pilotos privados pelo mundo fora, pelo seu potêncial ganhador e a sua robustez e fiabilidade, que se traduziam em economia ao longo duma época.

A entrada da marca no Mundial recuava aos anos sessenta, com a Suzuki a marcar presença nas classes mais pequenas com 2 títulos de 125 em 1965 e 1970.
A moto vencedora de então, a RS67, foi em grande medida, um ensaio para as vencedoras da classe raínha 20 anos mais tarde, apresentando um incrível motor V4 de quatro cambotas miniatura, alimentado através de válvulas rotativas, que produzia cerca de 40 cavalos às 18.000 rpm, o que transmitido proporcionalmente a uma moto de cilindrada 4 vezes superior para a classe raínha, daria 160 cavalos, logo à partida uma moto vencedora, considerando que as RG500 que deram 2 títulos mundiais a Barry Sheene 14 anos depois debitavam, quando muito, 120.
Mas o caminho de desenvolvimento duma vencedora é tortuoso, e assim foi com a RG500- a Suzuki começou por competir nos GP com uma moto muito mais próxima dos seus modelos de estrada, a GT500A. Esta era um bicilíndrico, surpreendentemente fiável também, e derivado doutra “grande pequena” Suzuki, a T20 de 250cc. Estes motores tinham um sistema de lubrificação chamado posi-force que misturava o óleo na gasolina automaticamente, permitindo manter os dois em separado – anos mais tarde, normal em qualquer acelera a 2T.

Eram, porém, arrefecidos a ar com tudo o que isso implica em termos de distorções térmicas e riscos de sobreaquecimento. Assim, quando a Yamaha entrou no jogo a sério, com a contratação sensacional de Giacomo Agostini, vindo da MV Agusta, a Suzuki “tirou do saco” uma moto projectada especialmente para a classe, a que chamou RG500. Era uma quatro cilindros em quadrado, ou seja, dois à frente e dois atrás, alimentados lateralmente por válvulas rotativas e produzindo cerca de 105 cavalos às 11.000 rpm da sua configuração de 56mm diâmetro e 50,5 de curso.
Mais interessante ainda, apenas um ano depois, em 1976, a versão competição-cliente, ao alcance de qualquer privado, era revista para 54 x 54mm, debitando só 100 cavalos mas com aceleração e fiabilidade melhoradas. O único ponto fraco das primeiras era a caixa, sujeita a quebras e pouco fiável.
De Sheene a Uncini
As equipas e pilotos a aderir à nova Suzuki, caminho para competitividade a baixo custo, eram um “quem é quem” dos GP da época: a começar pelo recentemente falecido 8-vezes Campeão Phil Read, Tepi Lansivuori- na famosa equipa dos capacetes Life- o alemão Will Hartog, Pat Hennen, Jack Findlay, Stu Avant, Michel Rougerie e os dois protegidos de Galinna, Virginio Ferrari e Marco Lucchinelli.
Estes privados tinham anteriormente tido que recorrer a Yamahas TZ350 alargadas para 360, ou até às vetustas Norton Manx uns anos antes, com todas as desvantagens que isso implicava.

Porém, quem viria a colocar a Suzuki no mapa foi Barry Sheene. Apesar de vários dos outros pilotos Suzuki da época, como Lansivuori, Stan Woods ou John Newbold, serem mais credenciados e mais experientes, o Londrino veio a simbolizar a nova dinâmica da marca nas 500.
Já em 1974 e 1975, Sheene conseguira o 6º lugar no Mundial, embora usasse eternamente, supersticioso como era, o seu número sete da sorte em vez do 1 a que tinha direito. Nesse ano, averbou uma vitória histórica na Holanda, empatando em tempo total com Agostini, e batendo Phil Read e as duas Suzuki de Lansivuori e Newbold.
Ganhou ainda na Suécia, mas a fiabilidade da moto não ajudou, pelo que não acabou nenhuma outra prova. Pode parecer estranho, agora, um piloto que consegue ganhar dois GP não contar com maior apoio da fábrica, mas as coisas eram muito diferentes na altura, e eram as próprios pilotos a desenvolver quadros, suspensão e travões para as suas motos, na procura de maior performance e fiabilidade. Frequentemente, era a fábrica a copiar, no ano seguinte, o que estes tinham inventado durante as corridas- hoje em dia, o desenvolvimento é no sentido inverso, com as fábricas a desenvolver soluções em laboratório e os pilotos meramente a testá-las em pista e a apontar a direcção a seguir, aliás as equipa independentes nem podem alterar as motos para lá de afinar a suspensão…

Chega 1976 e Barry Sheene conquista vitórias em Le Mans, Salzburg, Mugello, Assen e Anderstorp na Suécia. Com elas, e apenas um segundo na Bélgica atrás de John Williams (noutra RG) vence o seu primeiro título. O facto de que as vitórias e o 2º lugar foram os seus únicos resultados, mostra bem que, ou ganhava, ou não acabava sequer a corrida. E quando não acabava, mais vezes que não, a culpada era a caixa de velocidades da RG500.
Nesse ano, os primeiros 14 lugares eram todos ocupados por pilotos em Suzuki RG500, menos o 7º lugar de Giacomo Agostini na MV Agusta- o grito do cisne da marca Italiana, e dessa primeira era das 4T no Mundial. Em 1977, as coisas foram ainda mais lineraes: Com a MV Agusta retirada e “Ago” passado à Yamaha, que comprou do seu bolso, só 3 pilotos desta marca, sendo os outros dois Stevie Baker e Johnny Cecotto, se intrometeriam numa verdadeira “Copa RG” que preencheu os outros primeiros 29 lugares do Mundial! Isto é, 26 motos nos primeiros 29 e, claro, título de pilotos e de construtores para a marca de Hamamatsu. Significante o aparecimento de dois jovens italianos em 11º e 12º: Um tal Virginio Ferrari e outro Marco Lucchinelli (2 abaixo).

Nesse ano, Sheene venceu na Venezuela, Alemanha, Imola, França, Holanda, Bélgica, Suécia e ironicamente não acabou no ‘seu’ GP de Silverstone, bem como na Finlândia e Checoslováquia. A Áustria fora boicotada pelos pilotos da frente por falta de condições de segurança, o que significa que Sheene venceu 7 dos 10 GPs em que competiu, a caminho do seu segundo título de 500cc.
Nos anos seguintes, a Suzuki e os seus pilotos foram vencidos, mais por um homem, Kenny Roberts, que propriamente pela Yamaha que este conduziu a três títulos mundiais. A prová-lo estão os lugares entre 2º e 17º mais uma vez preenchidos por Suzuki RG500 em 1978, menos o 3º de Cecotto e o 5º de Katayama.
Em 79, a maré foi ainda pior, com a vitória solitária de Kenny Roberts seguida apenas de Suzuki até ao 11º lugar de Christian Sarron, noutra Yamaha. Em 1980, reza a história que King Kenny venceu mais uma vez, mas os nomes que importam à nossa história são Randy Mamola, Lucchinelli, Uncini e um tal de Graziano Rossi nas posições seguintes – todos em Suzuki RG500.

Mais uma vez, só 3 Yamaha se intrometeram entre os primeiros 11 lugares. Entretanto, a Suzuki ía melhorando a RG500, com a adopção de novas válvulas rotativas e melhor transmissão, melhorando a fiabilidade do que já era, talvez, a melhor moto privada de sempre. Assim, em 1981 e 1982, a Suzuki volta a vencer, pela mão dos combativos Italianos do team Gallina: Lucchinelli primeiro e depois, Uncini (1 acima)- destinado a ser o último campeão mundial de 500 Italiano (e Europeu, por falar nisso) até Valentino Rossi!
(continua)
Bibliografia: World Championship Racing, Mick Woolett, Hamlyn, 1980; Motorcycle News Racing Champions, Norrie Whyte, 1975; Marlboro Grand Prix Guide, Werner Haefliger














