Parte 1
Em plena era das dois tempos, há mais de 40 anos, a Honda teve a coragem de inovar repetidamente para vencer o Mundial

Em 1983, Freddie Spencer conquistou o primeiro título de pilotos da Honda na categoria rainha, com uma NS500 de 3 cilindros. No entanto, nalguns circuitos de alta velocidade ainda não conseguia competir com a Yamaha YZR500 de 4 cilindros de Kenny Roberts, que vinha de 3 títulos consecutivos em 1978, 1979 e 1980,
Tendo perdido igualmente para a Suzuki em 1981 e 1982, a Honda fez o desenvolvimento de um motor de 4 cilindros uma prioridade para a HRC (Honda Racing Corporation).

Roberts afasta-se de Spencer no GP da Bélgica de 1983. Foto Shigeo Kibiki
A 12 de setembro de 1983, a Honda realizou um teste secreto com uma moto específica no Circuito de Suzuka. Aconteceu apenas uma semana depois da marca da asa ter conquistado o primeiro título de pilotos de 500, a categoria rainha do Campeonato do Mundo no GP de San Marino.
O teste foi realizado com a entrada proibida no paddock de qualquer pessoa alheia ao projeto, pois a moto era uma nova GP500 de pista, equipada com um motor V4 recentemente desenvolvido em grande segredo. Mas voltemos ao princípio de tudo.

O falhanço da NR500
Em agosto de 1979, depois de vários anos de ausência, a Honda voltara a participar na categoria GP 500cc . Inicialmente, alinhou com a revolucionária NR500, que tinha um motor a 4 tempos com pistões ovais. Empregou pilotos experientes como Takazumi Katayama e Mick Grant, para assegurar o desenvolvimento mais rápido possível, e experimentou com rodas de carbono, que partiam, pois ainda não se entendia bem os pontos de stress ou resistência do material (acima).

No entanto, após muito dinheiro gasto e muitas dores de cabeça com os numerosos problemas de fiabilidade da supostamente avançada NR500, que a imprensa já chamava de Never Ready (nunca pronta) a equipa HRC começou a utilizar a NS500 com motor a 2 tempos a partir da corrida de abertura da temporada de 1982.
De acordo com o regulamento, as GP500 de pista só podiam ter, no máximo, quatro cilindros, o que já acabara com as exóticas de 6 cilindros em linha da era Hailwood.
O lógico seria entrar com essa configuração, no entanto, a Honda optou ousadamente logo de início por um motor de 3 cilindros para a NS500, de forma a competir em pé de igualdade com as rivais com motores de 4 cilindros, apostando mais na leveza e simplicidade que na potência.
Assim, a Honda tornou a nova máquina mais leve e compacta, melhorando a velocidade em linha reta e a manobrabilidade, devido à baixa resistência do ar das suas pequenas dimensões.
Em 1983, logo no segundo ano após a sua introdução, Freddie Spencer venceu o Campeonato do Mundo com este motor de 3 cilindros, apenas por 2 pontos sobre a Yamaha de Roberts, mas com vitórias em Kyalami, Le Mans, Monza, Jarama, Rijeka e Anderstorp. Pilotos como Ron Haslam, Randy Mamola (abaixo) ou Raymond Roche seriam oficiais da marca a curto prazo também.

Na sequência do sucesso de Spencer em 1983, em 1984 a NS500 tornou-se uma favorita de privados, enchendo a grelha e competindo anos nas mãos de pilotos como Keith Huewen (atual comentador da BBC), Massimo Broccoli, Reinold Roth, Gustav Reiner, Boet van Dulmen ou Fabio Biliotti, mas também Chris Guy, Simon Buckmaster, Peter Graves, Maurizio Vitali (que agora dá assistência aos capacetes AGV no Mundial), Klaus Klein, Manfred Fischer, Peter Skold e Peter Linden (abaixo), ambos pilotos da Força Aérea Sueca, e vários outros.
O objetivo da HRC revelou-se atingível, mas o motor de 3 cilindros, com a inevitável desvantagem em termos de potência, atingiria o seu limite mais cedo ou mais tarde.

Imediatamente após a temporada de 1982, quando o NS500 terminou o seu primeiro ano de competição, o desenvolvimento paralelo e secreto de um motor de 4 cilindros começou a sério.
Após a HRC ter concluído o trabalho de atualização do NS500 para a temporada de 1983, começaram a conceber um protótipo de um motor monocilíndrico com uma cilindrada de 125 cc, equivalente a um cilindro de um motor de 4 cilindros de 500 cc.

Este protótipo, com 4 cabeças independentes, que também daria as 125 de MX da época, foi o primeiro passo no desenvolvimento da série NSR500, equipada com um motor V4 a 2 tempos, que continuaria a ser utilizado na categoria de GP de 500cc até 2001…quando Valentino Rossi venceu o último mundial de era das 2T com aquela famosa NSR500 amarela com as cores da Nastro Azzuro.

O motor experimental de 125cc tinha um diâmetro interno de 54,0 mm e um curso de 54,5 mm, com uma válvula de palheta no cárter.
Em abril de 1983, iniciaram-se os trabalhos de conceção num motor V4 com o mesmo diâmetro interior, curso e sistema de admissão do protótipo monocilíndrico.

A Honda adotaria esta especificação em todos os motores V4 da NSR500 que participassem em corridas reais. O trabalho preliminar foi concluído a 30 de junho.
No mesmo dia, o projeto para a primeira geração da NSR500, a ser introduzida na temporada de 1984, começou oficialmente com o seu código de desenvolvimento, NV0A.

(Foto-Jiro Ishida- Notem um jovem Jerry Burgess junto ao banco).
Antes da segunda etapa do Campeonato do Mundo de 1984, o GP de Itália, a Honda realizou uma conferência de imprensa para a NV0A. Removeram generosamente a sua carenagem para revelar detalhes da disposição exclusiva dos componentes da carroçaria.

Se a moto iria ter um novo motor, deveria também atualizar a estética das carenagens. No entanto, alguém ao mais alto nível alertou os engenheiros: “Só ser novo não chega“, disse Takeo Fukui, responsável pelo desenvolvimento e operações de competição da HRC naquela altura.
Masamichi Komori, que serviu como Líder de Grande Projeto (LPL) da NV0A, revelou numa entrevista de 2011 que o Sr. Fukui tinha dado instruções contundentes, dizendo:
“Não basta só colocar quatro cilindros. Inventem algo novo e especial”. (continua)
















