Suavidade impressionante e prestações longe de ultrapassadas na atualidade são características algo inesperadas da Suzuki GT750, que com o seu motor de três cilindros em linha a dois tempos, combinou nos anos 70 uma tecnologia destinada a desaparecer com toques avançados como refrigeração líquida, travagem por duplo disco ou indicador digital de mudanças

Fotos Vítor Schwantz

Basta um aflorar do botão do starter da GT750 e o motor de três cilindros afinado na perfeição desperta com um borbulhar urgente e único no mundo da moto. Longe do raspar raivoso das algo semelhantes Kawasaki da época, e a mais de uma década da Yamaha RD500 ou Suzuki RG Gamma, o motor refrigerado a líquido, que por isso apresenta um aspeto muito particular com o seu grande cilindro liso e polido, é suave no trabalhar e ainda mais em condução.

Um toque numa caixa que, pelos vistos, já nas Suzuki da época era de suavidade referencial, apaga a luz do neutro e acende entre os dois relógios analógicos o número da mudança selecionada no indicador digital de mudança, detalhe que muitos donos mais “barba rija” da época consideravam derisório, mas não deixa de ser um toque refinado.

Uma embraiagem algo dura mas linear passa movimento às rodas, colocando-nos em movimento numa posição estranhamente elevada e muito ereta, graças aos guiadores largos, que em muitas unidades não tardariam a ser substituídas por avanços por donos mais determinados a explorar o lado desportivo da GT750. Não foi o caso nesta impecável modelo M de 1975, propriedade de Filipe Sousa do Porto, que até os punhos com borracha rendilhada e logo Suzuki mantém.

Rodar o punho produz aceleração muito linear, não se discernindo através da rotação qualquer pico, embora a subida se torne mais urgente, vertiginosa até, lá pelas 5 mil até ao redline teórico de 7000 rpm. Porém, se rodarem o punho bruscamente, tudo acontece então muito depressa e começamos a dar-nos conta do que representa ter uma moto de 750cc a dois tempos debaixo de nós.
Felizmente, a compostura do conjunto é boa, a moto entra em curva com grande neutralidade e aliás a impressão que fica é dum grande desfasamento para as atuais entre as prestações do motor e o resto da moto.

Atrevo-me a dizer que em aceleração o motor pouco perderia para uma 600 atual até cerca dos 180, talvez, o que não é dizer pouco se considerarmos o défice de alguns 50 cavalos para uma SSP moderna, mas a grande diferença está nos travões… estes, dois discos de 295 mm e sapata traseira, continuam a ser da variedade abrandadora, de facto a falta de mordida do disco duplo é aflitiva, mesmo com pressão da mão acima do normal, comparado com os atuais sistemas.

Só se começa a sentir o efeito quando a pressão da mão é muita e mantida por bastante tempo, e dizem que no molhado, com os rotores de inox sem perfurações, o cenário era ainda pior. De resto, é um facto que a moto se sente muito leve em condução, mostrando bem que, com 214 quilos, pesa bastante menos que os 235 Kg da Honda CB750 sua contemporânea, talvez graças à ausência de distribuição e afins facultada pelo seu motor a dois tempos…

Dotada de um selim confortável, amplo e algo duro, e portanto duma posição de condução generosa e descansativa, até, não há dúvida de que a pérola do conjunto é o motor. Durante a sessão fotográfica que envolveu repetidas passagens a baixa velocidade, o manómetro de temperatura nunca passou do normal, justificando plenamente a decisão de eliminar a ventoinha a partir de 1973.

A suavidade e relativa ausência de ruído conferidas pela refrigeração líquida são notáveis, mas não escondem o grito do escape à medida que as rotações sobem e a condução se torna mais frenética, até porque com a modesta capacidade dos travões, a precisar sempre duma ajuda do calço traseiro para complementar a ação algo raquítica dos discos, antecipar bem todas as manobras é uma necessidade imperativa.

Fica uma impressão de leveza e de tudo a funcionar muito bem, duma condução marcadamente desportiva mas nem por isso faltando em suavidade, pelo contrário, e da estranha justaposição de conceitos que só sobreviveriam poucos anos lado a lado, mais precisamente entre 1973 e 1977.
A seguir, ainda em 77, apareceriam as séries GS a quatro tempos, catapultando a Suzuki para os anos 80 com uma nova sofisticação no formato universal japonês do quatro em linha, mais sucessos em competição e fiabilidade lendária… mas o resto é história!

Ilustração Paulo Araújo
História do modelo
Apresentada em 1971 e lançada em 1972, a GT750 foi a última dois tempos de grande capacidade comercializada. O motor refrigerado a líquido granjeou-lhe a alcunha afetuosa de “kettle” (chaleira) em Inglaterra e Water Buffalo nos EUA, onde a designação do modelo era a Le Mans. Porta-estandarte da gama de três dois tempos que incluía a GT380 e GT550, a irmã maior tornou-se referencial em potência e funcionamento silencioso e suave. Não há nada equivalente nos nossos dias, sem dúvida uma das razões pela qual estas motos são tão apreciadas pelos colecionadores. 3 cilindros em linha, 738cc de capacidade, 3 carburadores CV, quatro escapes como era de rigor na época, e imensos cromados e tampas polidas. Em versão de corrida, a moto atingia quase os 290 Km/h em Daytona, granjeando legiões de fans ao modelo de estrada.

A versão J original ainda vinha com um travão de tambor de duas sapatas duplo de 200mm, que a identifica imediatamente, bem como as tampas laterais do radiador da cor do modelo, nas séries a seguir cromadas. Radiador com ventoinha, carburadores Mikuni VM32Sc de guilhotina e escapes que acabam em cones negros definiam o estilo do modelo. O escape era um três para 4. Os cilindros exteriores acabavam numa panela cromada cada, e o do meio dividia-se em dois menores, um debaixo de cada um dos outros. Todos curvavam graciosamente para cima e os escapes dos cilindros exteriores eram unidos entre si por tubos. Isto supostamente ajudava a suavizar a resposta, à custa de sacrificar alguma potência, que mesmo assim atingia os 72 cavalos, mas mais impressionante, o motor produzia 7,7 kg de binário às 5.500 rpm, nada mau considerando que o serem potencialmente pontudos demais era um dos pontos fracos de uma dois tempos.
As faces dos instrumentos eram planas, e os piscas traseiros encarnados. A cambota apoiava-se em 4 rolamentos, com ordem de disparo a 120º, e os três platinados eram localizados do lado esquerdo do motor, que visto de frente é muito largo, tanto como uma tetracilíndrica na zona da cambota. O terceiro cilindro era mais afastado que os outros, para acomodar a transmissão primária. O cilindro, cárteres e cabeça são em alumínio polido, e a saída do líquido refrigerante faz-se no topo. Os pistões de dois segmentos eram virtualmente idênticos aos da T500, suportados em rolamentos de agulha. O termóstato abre aos 82º, e a ventoinha dispara aos 105º em teoria, mas de facto acabou por ser dispensada em modelos seguintes por quase nunca entrar em ação. O motor é agarrado ao quadro com pontos revestidos a borracha, dissipando as poucas vibrações existentes.
Consumo de cerca de 8 litros aos 100 era considerado bom para uma 750, dois tempos ou não. A moto era quase tão pesada como a CB750, mas leve em condução. Os amortecedores eram a gás e tinham 5 posições de pré-carga. As escolhas de cores, super distintas igualmente, a começar pelo magenta, mas houve dourados, laranjas, negros, prateados, vermelho e azul metálico, talvez a mais popular.

1972 GT750J – Começa no quadro GT750-10001, motor GT750-10001 – Código modelo Suzuki: 310 Cores: Azul vivo, magenta, cobre

1973 GT750K – Começa no quadro GT750-31253, motor GT750-31357 – Código modelo Suzuki: 310 Cores: Azul real, vermelho real
O modelo de 1973, designado por K, passou a ter dois discos. A ventoinha vinha agora só em opção e as laterais do radiador passaram a ser cromadas. A faixa decorativa passou dos lados do fundo do depósito para a parte superior. No motor, a cambota passou a ter as anilhas de retenção só dum lado, a partir do motor Nº GT750-38060, os filtros interiores mudaram de plástico para rede de aço a partir do motor GT750-39084 e as pastilhas e êmbolos mudaram a partir do quadro GT750-38591

1974 GT750L – Começa no quadro GT750-40247, motor GT750-43041 – Código do modelo 312 Cores: Laranja metalizado, Azul Flake
Em 1974, aparece o modelo L, com carburadores CV BS40 em que o ralenti era ajustado por um único parafuso para todos em vez de em cada carburador. A bomba do autolube passou a ser controlada pelo tirante dos carburadores, em vez de pelo cabo do acelerador. As pontas de escape em cone negro desaparecem, e as tampas laterais fundem-se melhor com os filtros e caixa de ar de formato novo. Aparece um indicador digital de mudança e deixa de haver foles nas bainhas da suspensão, substituídas por tampas de retentores cromadas. O farol e tiras de montagem passam a cromado, e as tampas cromadas do radiador são substituídas por uma tampa plástica que cobre todo o radiador e se prolonga pelos lados. Os cilindros ostentam a sigla “Water Cooled” e a moto custa mais de 2.000 dólares pela primeira vez nos EUA. A torneira de combustível é mudada a partir do quadro GT750-43778. Os pernes do cilindro passam a ter anilhas de borracha que evita corrosão pelo líquido refrigerante a partir do quadro Nº GT750-45213. O freio do vedante da cambota passa a ser uma anilha retentora a partir do motor Nº GT750-54212, quadro GT750-49805

1975 GT750M – Começa no quadro GT750-52823, motor GT750-5l7533 – Código do modelo, 316 Cores: Vermelho Candy, Cinzento, Dourado
Em 1975, o modelo M recebe melhoramentos ao motor que aumentam a potência para 70 cavalos. A relação é alongada para passar os testes de ruído, levando a perda de potência em baixa mas um ligeiro ganho em alta. O escape é novo, mais compacto para aumentar a distância ao solo e sem tubos de ligação internos. O transfer do escape sobe 2,5mm e o da admissão desce 2mm, com 0,2mm retificados das cabeças, o que combinado com uma junta mais fina (0,8 em vez de 1,5mm) aumenta a compressão de 6,7:1 para 6,9:1. As tampas cromadas dos retentores do garfo desaparecem, e o interior dos garfos sofre mudanças. Os discos de embraiagem mudam de resina para alumínio, e a bucha central é substituída por um rolamento. A partir deste modelo, as características de potência mudam, passando a ser mais pontuda e com a aparência de mais potência por causa disso, embora a “antiga” acabasse por ter mais binário. O modelo americano passa a ter o farol sempre ligado por imposição legal.

1976 GT750A – Começa no quadro GT750-61729, motor Nº GT750-67558 – Código do modelo, 316 Cores, Azul, Laranja
O modelo de 1976, designado por GT750A, teve a sua estética atualizada por pequenos detalhes, como um novo formato de depósito e tampa do radiador. O bujon do depósito e radiador passam a ter uma tampa plástica negra. As engrenagens de 2ª e 3ª são reforçadas a partir do motor Nº GT750-73059, quadro GT750-66220. Uma tendência da torneira para verter é curada a partir do quadro Nº GT750-67962

1977 GT750B – Começa no quadro GT750-75739, motor GT750-82605 – Código do modelo, 316 Cores: Vermelho, Preto, Azul
Finalmente, 1977 foi o último ano de produção da GT. A modelo B tornou-se mais semelhante à sua contemporânea de 4 tempos, a GS750, dando-lhe um aspecto mais ligeiro e moderno. As tampas laterais são pretas, bem como o coco e presilhas do farol. Os piscas também são iguais à GS e o guarda-lamas perde os tirantes de apoio. Além disso, durante a vida do modelo, o indicador de mudança é revisto e há um novo vedante dos cárteres, a partir do quadro Nº GT750-74377















