1 – Da BMW R100RS à Yamaha LC350, os primeiros passos…
Quando surgiu a ideia de começar uma série de artigos históricos, logo me começaram a pressionar para contar a minha própria história, documentada com fotos da época. Vencendo alguma relutância inicial, pensei, porque não? Quem melhor para contar histórias das corridas do que quem as consegue contar na primeira pessoa? Aqui fica uma ideia de como eram as corridas há 40 anos…

Comecei a correr, desafiado pela então Federação Portuguesa de Motociclismo, nas 300 Milhas do Estoril de 1983. Tinha uma BMW R100RS, cuja soma total de preparação para a corrida foi remover as malas, tapar os piscas e pôr um pneu novo atrás… apropriadamente, um Dunlop Endurance.
Sendo a minha estreia, qualifiquei lá para trás (mas não último) na BMW lenta e pesadona contra Honda, Kawasaki e Suzuki 1100 muito mais rápidas e potentes.

Pilotar na prova foi divertido, o Estoril na altura tinha aquela curva 1 de pleno coração, que se dava terceira a fundo. Eu tinha imensa confiança na moto, com que já tinha atravessado a Europa e era passado nas retas por 1100s japonesas que depois voltava a passar nas curvas, com os escapes a roçar o asfalto e a moto a guinar.
O calor do fim de agosto era terrível e o suor no fato Lewis Leathers (If you know, you know!) sem forro secava e deixava manchas de sal brancas no cabedal negro.
A cerca de 1 hora do fim, quando era o único que ainda não precisara de parar para abastecer, o motor perdeu potência e desenvolveu um ruído que eram as capas das bielas a desistir… abandonei quando ia, penso, para aí em 10º de 22 concorrentes a prova ganha pelo Hermano Sobral.
Pouco depois, voltei para Inglaterra com a obsessão de começar a correr… desafiei um amigo de longa data que já lá correra, o Joe Domingues, e formámos uma equipa juntos com motos iguais, para simplificar… Um amigo tinha uma Yamaha LC350 do melhor preparador de 2T de Inglaterra, o Stan Stephens, e ia mudar para as 750… Por um bom preço vendeu-me a moto, mais quase um motor sobresselente, escapes e outros acessórios sortidos.
O Joe comprou uma igual e lá fomos aos dias de treinos que havia sempre em Brands Hatch às quartas feiras…Tinha comprado outro fato novo que já tinha uns vestígios de proteções – mas ainda sem joelheiras, essas eram feitas acumulando fita americana à medida que gastavam de raspar nas curvas.

Também comprámos uma Ford Transit amarela, ex-British Telecom, que levava tudo o que era preciso. Inscrevi-me num Clube, e aqui cabe explicar o sistema de licenças de Inglaterra: Há 4 níveis, Novato, Clube, Nacional e Internacional. O novato tem de usar, nas primeiras 4 corridas, se bem me lembro, um colete laranja por cima do fato para avisar toda a gente que ali vai maçarico…
Falta explicar que para deixar o colete laranja, se tem de correr em 3 pistas com sucesso… O Clube, o BMCRC ou Bemsee como todos lhe chamavam, só corria em 2 pistas, Brands Hatch mesmo ao pé de Londres e Snetterton, mais longe, mesmo antes de Norwich… mas o circuito curto de Brands e o longo de GP contavam como 2 circuitos, e lá ultrapassei essa dificuldade.

Estreia em Snetterton com a LC350
Devo dizer que, para quem fez a primeira corrida sem qualquer preparação e aos 28 anos, não era mau de todo… Na primeira prova, um terror, 24º numa corrida e 22º na outra, além de ser dobrado pelos líderes aí a uma volta do fim…um dos quais o anterior dono da moto, um jamaicano, agora a correr numa VFR. Na segunda prova, melhorei, sob as orientações do Joe que andava sempre 8 lugares mais à frente, acho que já fui 19º e 17º…

A seguir, era a estreia no Campeonato nacional de Velocidade em S. André… Fizemos um vistão com a carrinha a dizer “Rapid Racing” (lol) e as motos pintadas de azul, vermelho e branco Yamaha quase iguais.
O Joe lutava pelos primeiros lugares com as 750 da nossa classe, e eu passei os treinos a ouvir um tic-tic até que a moto parou e não arrancou mais… o tic-tic era um parafuso que se tinha soltado do volante magnético e andava lá dentro a 9.000 rotações a estraçalhar a instalação elétrica toda… Nil Punkt, como se diz na Eurovisão… O Joe acho que foi 3º na corrida, contra o campeão nacional Chico “Birras” Santos, um bom começo. Na classe grande, deve ter ganho o Manuel João com a sua Honda 1100RC.
De volta a Inglaterra, novo volante magnético da tralha que me tinham dado com a moto, e vamos para Snetterton… aqui percebi, um, o que significava ter uma moto com motor do Stan Stephens e dois, a diferença entre as LC350 e as LC250 que corriam junto connosco… Na curtinha Brands, onde a reta da meta nem chegava a ser bem reta e tinha aí 500m, as LC250 mais descaradas andavam connosco, e 4 ou 5 acabavam facilmente à minha frente… Nas retas da antiga pista de Fortalezas Voadoras de Snetterton, que deviam ter 1,2 Km para aí, parecia que as 250 tinham engatado marcha atrás, mal espremíamos a terceira, nunca mais as víamos!

Regressámos à segunda prova a Portugal e as coisas já correram melhor, começando no que foi sempre uma constante nas minhas corridas: Era muito lento para os rápidos (também só 5 ou 6) e muito rápido para os lentos. O meu lugar normal era entre 7º e 9º da geral, que quando descontavas as 900 e 1100s à nossa frente, classe diferente, dava entre 4º e 7º e lá ía pontuando para o Campeonato.
O Joe, entretanto, que ganhava muito mais do que eu (ele era empregado de mesa e eu tinha um curso superior, estão a ver?) já tinha vendido a LC350 e comprado uma YPVS. O comprador foi o José Serra Cruz, que apesar de só ter feito 2 ou 3 provas, demonstrou algum talento.

Chegou então o Miratejo, uma pista improvisada na cidade recém construída, com rotundas, subidas e algumas curvas interessantes… Quisemos saber porque é que uma seção em particular escorregava tanto, a LC350 não era propriamente uma MotoGP mas derrapava de traseira sob aceleração a ponto de se atravessar… “Ah, é onde param os Autocarros da Rodoviária!”
Nessa, a moto tinha gripado um pistão, mas tenho a agradecer ao grande Armando Borges que a reparou ao ar livre e depois na corrida, talvez por entretanto ter adquirido ritmo em Inglaterra, andei bem… Ultrapassava muitos concorrentes, julgava eu, só que eram sempre o mesmo, o Germano Pereira na vetusta Ducati, que já devia levar algumas 3 voltas de atraso… mesmo assim, muito mal não estava, porque às tantas numa das travagens bloqueei os travões, caí, a moto foi em frente, entrou pelo público, corri para ela, vi que estava tudo inteiro e voltei a arrancar sob uma salva de palmas incrível… só para descobrir mais adiante que uma das peseiras tinha desaparecido…
Fiz o resto da corrida a apoiar o pé no escape e ainda acabei oitavo… naquela que o José Serra ao ganhar, levou à frente a lona da meta que estava a cair há umas voltas. A má notícia foi que a Federação não tinha conseguido dinheiro para os prémios…

Depois, veio Vila Real… tirámos Licenças Internacionais de 1 dia, para participar na F1 TT, o que quer dizer que corri com nomes como Tony Rutter, Brian Reid, Gary Padgett, Neil Tuxworth e vários outros nomes rápidos da Ilha de Man… Na classe principal, nas Honda oficiais, uma luta entre Joey Dunlop e Roger Marshall, que ganhou no final.
Alguns Ingleses que nos conheciam ficaram admirados de nos ver ali, que seria impossível com a licença de Clube… Na prova do Nacional, andei bem, apesar do amortecedor aquecer na descida de Mateus e a moto cabrear assustadoramente.
Acho que fui 7º, outra vez… Na TT2, estava a umas décimas de qualificar, mas o Sr. da FIM deixou-nos alinhar em vista de só haver 22 concorrentes. Não me lembro em que lugar acabei, provavelmente nos últimos, mas lembro-me que o prémio de alinhar, por ser uma prova do Mundial, eram uns 50 contos!
A época acabou, literalmente, com um estrondo!
Na segunda ida a S. André, estava farto de acabar atrás e decidi que ia fazer um esforço… de tal modo, que no arranque, depois da grande parabólica de esquerda, cheguei à travagem em terceiro… ao longo de uma volta frenética, fui passado por um ou dois rivais nas zonas mais rápidas, mas mesmo assim estava nos primeiros 5 ou 6, quando, na mesma travagem, bloqueei a roda da frente… a moto cuspiu-me, subimos o passeio, ela de lado e eu de borco… com a adrenalina, levantei-me e levei a mão à viseira semi-aberta para a compor… só que o dedo mindinho estava numa posição estranha, a apontar para norte, e de qualquer modo a moto tinha cuspido a bateria por uma das tampas… a corrida seguinte foi no Mini de um amigo médico a caminho de Sta. Maria, e voltei para casa engessado e de braço ao peito.
(continua)