Os cerca de 20 km de estrada marginal que observam o encontro do Tejo com o Oceano Atlântico fazem parte do nosso património paisagístico e cultural. A riqueza histórica e civilizacional daqueles metros quadrados que bordejam o mar, reveste-se de praias recortadas, casas senhoriais e sobretudo de um charme mediterrânico muito característico. A eterna luta pela preservação deste legado observa-se no equilíbrio entre a ganância imobiliária e a vontade dos autarcas em garantirem a qualidade de vida dos seus municípios. Para quem a visita, num Domingo povoado de turistas, não lhe merece grande respeito, mas para quem a vive no seu dia-a-dia, a marginal e as suas praias ganham um sentido quase existencial. O Mar tem esse efeito.
Nas últimas semanas assistimos a vários incidentes graves, desde atropelamentos envolvendo ciclistas, a despistes mortais com veículos acabando dentro de água. A proliferação de radares e semáforos aparentemente não tem sido suficiente para diminuir a velocidade, assim como o espaço disponível é demasiado exíguo para criar uma ciclovia. Por conseguinte as infraestruturas de Portugal anunciaram que o limite será de 50 km/h em toda a sua extensão.
Antes de vos explicar o porquê de concordar com esta decisão, deixem-me dizer-vos que nunca serei mais papista que o papa e detesto autoritarismos, e que já fiz aquela estrada mais rápido que muitos de vocês. Recorro a esta soberba de modo convicto, porque sei que coloquei a minha vida e a dos outros em risco.
A N6 sofre de um conjunto de fatores que se conjugam para potenciar o excesso: bom piso, bom traçado, e sobretudo a probabilidade de encontrar outras máquinas no mesmo espírito competitivo (é um fenómeno sobre o qual irei escrever um dia…o “picanço”).
E pelo justo paga o pecador? Chama-se a isto viver em sociedade, em que o grupo tem de saber o que é um ideal comum (tipo vacina). Porque para que uns possam ter uns segundos de adrenalina, eu tenho de ter medo de atravessar no semáforo com os meus filhos. Circular nos passeios junto ao mar é um exercício desconfortável (assim como andar no paredão com a possibilidade de nos “aterrar” um carro em cima), já para não falar da impensável loucura que seria partilhar o mesmo pedaço de asfalto…numa bicicleta. Quem afirma que os ciclistas não têm o direito de ali estar falta-lhes a visão primeiro mundista de ter estradas marginais vedadas ao trânsito automóvel. Se acham os 50 km/h pouco razoáveis para testarem limites e serem vistos, procurem um boa estrada de montanha. Temos muitas e boas…