Na sequência da reportagem relativa aos 30 anos da Salgados Moto, estivemos à conversa com um dos seus fundadores, Vasco Salgado, que nos fala do passado, do presente e da incerteza que é o futuro.
POR Domingos Janeiro • Fotos João Fragoso e arquivo Salgados Moto
Revista MOTOS (RM) O vosso objectivo sempre foi os acessórios?
Vasco Salgado (VS) Sim, o objectivo sempre foi a comercialização e importação de acessórios. Ainda tentámos ter algumas peças, chegámos a ter vidros para carenagens, mais recentemente baterias e proteções de carenagem, mas no fundo, acabámos sempre por nos dedicar ao vestuário e equipamento de proteção para os motociclistas.
As experiência que fizemos com as peças não correram bem porque o mercado é diferente, é maior e tem muita concorrência. Em 2005 mudámos para aqui, Adroana, e em 2006 tive a ideia de fazer uma marca própria, a Sprint. O mercado estava um pouco incerto e nesta altura propuseram-me uma sociedade para ficar com o concessionário da KTM em Lisboa, com o Carlos Lembre.
RM Isso foi inesperado?
VS Sim, decidimos entrar neste negócio porque já nessa altura o mercado dos acessórios, os importadores e a distribuição estava um pouco dúbia e não sabíamos o que ia acontecer. Em vez de lançarmos a nossa marca própria, decidimos apostar num mercado diferente, as
lojas de motos com venda ao público, porque assim ficávamos com os pés em dois sítios diferentes, em dois mercados diferentes. Desta sociedade com o Carlos Lebre e a Caismotor, resultam três lojas nazona de Lisboa.
Em 2007 entra a Caberg para o nosso portefólio e volta a dar-nos um grande “boom”
nas vendas, assim como a Forma, que também começou a vender muito bem com botas de todo o terreno e de estrada. Em 2009 surge a Airoh, que volta a dar-nos novo impulso. Com a chegada da Airoh, as instalações da Adroana, que eram até então grandes, tornaram-se demasiado pequenas e então conseguimos comprar outras instalações na Abóbada. Um armazém grande que é onde já está a funcionar o nosso centro de distribuição.
Entretanto, em 2011 decido fazer a Sprint, começar a marca e aí alugámos um armazém de logística que guardava e nos fazia a distribuição dos produtos, nós só tínhamos que enviar a lista do que era e para onde era para enviar e eles tratavam disso. Mas era uma organização difícil porque geriamos dois espaços, dois armazéns e sempre procurei alternativas.
RM Nunca pensaram sair desta zona?
VS Pensámos nisso, mas como entretanto já tínhamos alguns empregados, não era viável estarmos a deslocar as instalações para outro local mais longe. Também era necessário manter-nos perto dos concessionários, porque tivemos que passar a ter um papel mais interventivo no negócio.
Em 2019 surge a hipótese de abrirmos uma concessão da Honda e acabámos por nos instalar em Almada. Chegámos a ter também a Salgados Moto no Porto, para dar apoio ao nosso comercial da zona Norte e aos clientes, mas acabou por não correr bem. Em 2020 adquirimos as instalações na Abóbada, deixámos de ter a distribuição e logística noutro lado e concentrámos tudo ali e neste momento, estamos na parte burocrática, porque temos um projecto para fazer uma loja grande neste novo armazém.
Em 2022 surge-nos uma nova hipótese de comprar a Lopes e Lopes, o concessionário da Honda mais antigo do país, em Sintra e essa compra que fizemos, obrigou-nos a fazer uma remodelação obrigatória nas instalações. Neste momento estamos a fazer essas obras, as outras (do armazém onde vai nascer também um stand e uma oficina) ficaram em stand by e quando acabarmos com essas obras começaremos então com as outras.
RM Nesse espaço da Abóbada, depois de tudo construído qual será a área total?
VS O terreno tem cerca de 3500 m2, nós vamos ficar com cerca de 2500 m2 cobertos. As coisas vão ficar bem separadas, ou seja, vamos fazer um stand e oficina, escritórios e o armazém fica só armazém, acaba por ficar tudo junto mas tudo separado.
RM Para já têm mais alguma ambição de juntar mais alguma coisa ao negócio?
VS Estamos sempre disponíveis para aumentar o nosso portefólio, embora ultimamente não tenhamos tido grandes oportunidades porque estamos todos a sofrer um pouco com o fenómeno das vendas online, mas estamos sempre a trabalhar e é possível que surja mais alguma coisa para o futuro.
RM Dessa empresa que começou há 30 anos com apenas 2 pessoas, já conta com quantos funcionários atualmente?
VS Nos grupo todo, atualmente somos 60 pessoas, só assim nos permite este crescimento, com pessoas de confiança e muito competentes nos sítios chave já há alguns anos.
RM Este crescimento sempre foi sustentado?
VS Sempre foi muito sustentado, a Salgados Moto sempre foi um negócio que cresceu todos os anos, foram raros os anos em que isso Peça fundamental ao longo destes 30 anos, tem sido o outro sócio, Bernardo Salgado, cujo desempenho “valioso” nos bastidores tem contribuído para o grande sucesso da empresa não aconteceu, sempre com crescimentos sustentados, 10%, 15% ao ano. No entanto, nem tudo foram rosas, atravessámos períodos muito difíceis, tivemos anos bons, outros maus, fomos obrigados a fazer ajustes e cortes na estrutura, nos colaboradores, tivemos que fazer cortes às pessoas, depois voltamos a abrir, é uma gestão muito de dia a dia.
RM E pelo meio tivemos uma pandemia…
VS A pandemia foi um susto muito grande, porque surge exatamente
quando abrimos a loja de Almada. Foi o pânico total porque não sabíamos por quanto tempo teríamos que fechar, com 10 pessoas novas na equipa. Curiosamente acabou por se mostrar o contrário, 2020 foi um dos melhores anos de sempre para nós, 2021 ainda foi melhor e as pessoas com a pandemia de repente ficaram fechadas em casa e então voltaram-se muito para as motos, o todo o terreno disparou.
Nós nunca fechámos, porque as oficinas nunca fecharam. Não tivemos a necessidade de dispensar pessoas porque apenas tivemos encerrados dois meses e nesses dois meses foi tudo para casa e houve aquele apoio do Estado que nos ajudou. Quando voltamos começou tudo a funcionar progressivamente, mas muito bem e por isso não tivemos grandes problemas, até tivemos que reforçar equipas.
Em 2021 volta a fechar, mas foi praticamente igual, 2 meses e foi um ano muito forte o que fez com que se criasse um problema ainda maior, que estamos a sofrer nos dias de hoje que foi, 2021/2022 foram anos muito fortes, 2023 está toda a gente a apostar ao máximo em tudo, lojas, distribuidores, importadores, fabricantes todos a encherem-se de stock para fornecer e o mercado cai! 2023 não foi um ano tão forte como 2022 mas foi bom. 2024 foi um ano bom, representando mesmo o melhor ano de sempre para o grupo, mas o que acontece é que se nota que os fornecedores e fabricantes estão muito atrapalhados, com stocks loucos sem saber o que hão-de fazer. 2025 vai ser muito desafiante!
RM Nos anos da pandemia veio acentuar o problema das vendas online…
VS Nós, no fundo, quando tive a ideia de enveredar pela diversidade do negócio como a venda e reparação de motos era já a prever um pouco o que se iria passar, porque foi em 2008 que surgem as lojas online. Com a pandemia esse fenómeno acentuou-se e em Portugal estamos todos numa situação um pouco complexa. Essa altura fez com que as pessoas deixassem de ter receio de encomendar online, até os mais céticos. As empresas Portuguesas ainda não estão preparadas para isso e a distribuição de acessórios está a sofrer um pouco, porque as pessoas quando querem comprar vão à net e as nossos revendedores ainda não olharam bem para isso.
Há muita gente a comprar online, cada vez mais e por isso o futuro vai passar por ai. Atualmente trabalham 60 pessoas no Grupo Salgados Moto
RM Vocês, Salgados Moto estão a pensar fazer alguma coisa nesse sentido?
VS Não podemos fazer grande coisa porque temos uma rede de distribuição. Temos, no entanto uma rede B2B entre os nossos revendedores, conseguem aceder a descontos e promoções. Temos sempre muitos produtos em promoção para beneficiar os nossos revendedores.
RM Gostavam de criar outra marca que não seja só de capacetes e vestuário?
VS Na Sprint trabalhamos com tudo o que tenha a ver com a estrada, capacetes, blusões, luvas, fatos para chuva. Já tivemos na competição, tanto com a Bering como com a Sprint, com fatos para a competição. Pensámos fazer uma gama de off road, mas exige muito trabalho e não se consegue fazer tudo.
RM Têm um departamento exclusivo para a Sprint?
VS Neste momento temos um designer responsável pela marca com o meu acompanhamento e do Bernardo (Botelho), para vermos os melhores caminhos a seguir. Decidimos o que fazer, fazemos os desenhos e mandamos para os nossos parceiros produzirem.
RM Qual foi a ideia de criar a marca?
VS A ideia foi criar algo que completasse o mercado e a nossa oferta. Que pudesse cobrir uma gama mais de entrada e acessível. Com as marcas que tínhamos não conseguíamos ter produtos de entrada, mais baratos e então decidimos apostar na nossa marca. Assim conseguimos gerir todo o negócio, porque somos nós que produzimos, criamos produtos muito bons com preço muito acessível. Criámos uma marca para nos colmatar uma falha que tínhamos nos nossos fornecedores. Daí a marca estar a crescer de ano para ano. Não canibalizamos as outras marcas com a nossa, procuramos sempre complementar o que temos.
RM Como vez o futuro da marca?
VS Eu acho que esta marca tem mais potencial, mas realmente não temos dedicado o tempo que ela merece porque tem uma enorme potencialidade de crescimento dentro da empresa e dentro do próprio mercado.
RM Qual é a vantagem desta marca face a tantas outras?
VS A vantagem é que fazemos aquilo que queremos, o que o mercado precisa. Controlamos nós os preços, não temos as tradicionais guerras de preços porque não temos concorrentes. Um dia mais tarde, não descartamos a possibilidade de rumar a outros mercados internacionais. Já chegámos a ter um comercial em Espanha e dedicou-se mais a capacetes, mas nesse ano deu-nos logo um enorme “boom” nas vendas. A ideia da Sprint é expandir para outros mercados, mas agora, com os atrasos
A Sprint é a “menina” dos olhos da Salgados Moto, um projecto que começou a ser pensado em 2006 mas que só avançou mais tarde, em 2011 e com grande sucesso na nova gama, temos que voltar a trabalhar no nosso mercado para voltar a ganhar confiança e só depois pensar na internacionalização.
RM Os produtos que a Sprint disponibiliza são desenhados por vocês ou adaptados a modelos que os fornecedores já têm?
VS Não, tirando os capacetes que são incomportáveis serem desenvolvidos de raíz, fazemos o design nós mas usamos modelos produzidos por eles, nas restantes peças como blusões, luvas, fatos de chuva, é tudo feito por nós, tudo criado e produzido de raiz. Já produzimos na China, Paquistão, Itália, depende do produto, mas tudo sempre desenhado por nós, quando falamos de vestuário e está tudo homologado por nós, em nome da nossa empresa, da Sprint.
RM Quais as grandes novidades da Sprint para os próximos tempos?
VS Neste momento acabámos de lançar 4 modelos de capacetes novos, que foram lançados em meados de 2024 e que correu muito melhor do que estavamos à espera. A gama teve que ser toda atualizada para a nova Norma 22.06, fizemos um integral, um modular e dois capacetes abertos e correu muito bem, muito melhor do que estavamos à espera.
Para este ano vamos manter estes modelos, porque normalmente os prazos de lançamentos de novos produtos ocorrem de dois em dois anos. Nos blusões acabámos de lançar, também com as novas regras ECE, lançamos 3 modelos novos em meados de 2024 e temos previstos mais três modelos novos para 2025, um blusão de cintura comprida e outro de cintura curta e em princípio um blusão de pele.
O potencial de crescimento é muito grande, no off road, nas botas, enfim, há muito por onde crescer, mas tem que ser tudo de forma pensada e sustentada com os pés assentes no chão para não darmos passos maiores que as pernas.
RM Como encaras o futuro da Salgados Moto para os próximos anos?
VS A Salgados faz este ano o melhor ano de sempre, porque também ficámos com a Sena e foi uma das marcas que mais cresceu. Os intercomunicadores são dos acessórios que mais vão crescer a curto prazo e tem um potencial enorme. É um pouco assustador ver o vestuário a deixar de se vender, o que é um pouco estranho e não sabemos bem o que esperar do futuro.
RM Encontras alguma explicação para isso?
VS Não. Já tentámos, falamos com muitos fornecedores e distribuidores a nível internacional e todos estão a sofrer com isso mas o que é mais estranho é que não há uma explicação. Dai também nos obrigar a estar mais atentos e a procurar novas soluções para a nossa gama de produtos, como a Sena, por exemplo, que nos surgiu numa brincadeira e neste momento é das marcas mais importantes que temos e não é vestuário.
Estamos sempre muito atentos ao mercado e continuamos a ir às feiras internacionais sempre a procurar crescer o mais possível e ainda mais agora, com as instalações que temos.