Chama-se MAPA DAS ESTRADAS! É lá que todas as viagens começam: escolhemos o destino, vemos as regiões a descobrir… só depois chegam os “maps” e os “gps” desta vida.
POR HENRIQUE SARAIVA . VIAGENS AO VIRAR DA ESQUINA . FOTOS HENRIQUE SARAIVA
Manhã de sexta-feira, 11 de maio de 1945. Os diversos ministérios da Capital do Império que ainda havia, recebem a edição do Diário do Governo. Poucos lhe terão dado importância… Três dias antes, tinha sido assinada a rendição da Alemanha que pôs fim à 2.ª Guerra Mundial na Europa. Um continente completamente devastado, da nossa fronteira para lá, por 9 anos de guerras. Tínhamos escapado ao flagelo!
Cá, apesar de todas as dificuldades e peripécias que a História conta, das contingências da política e do tradicional atraso, algo estava a ser feito: nessa folha oficial publicava-se (em Suplemento) o Decreto Lei nº 34.593 oriundo do Ministério das Obras Públicas e Comunicações: o Plano Rodoviário. Ou, como sub-titulava, “Classificação das estradas nacionais e municipais e dos caminhos públicos e fixação das respectivas características técnicas”. E está lá tudo isso! Inclusivamente a definição da sinalização a aplicar. Mas, o que tem a isto a ver com Mototurismo? Tudo!
AS ESTRADAS NACIONAIS
Hoje, 80 anos depois, utilizamos as “velhinhas” ENs para nos levarem aos recantos de Portugal. Se calhar desconhecemos as suas origens e, porque são como são. Aquele Plano correspondia a uma necessidade fundamental para o desenvolvimento do País. O trânsito automóvel já era relevante e as estradas existentes ou eram reminiscências das milenares estradas romanas, ou correspondiam às “Estradas Reais” cujas origens estavam nos caminhos traçados para cavaleiros, carruagens e carroças. E não eram “Republicanas”… Fundamental: faltava uma visão de conjunto que propiciasse o desenvolvimento do território. Essa é a 1ª característica do PR: definia a forma como as vias de comunicação rodoviárias se iriam espalhar pelo território nacional. Criava as “Estradas Nacionais” (também as “municipais”) e atribuía-lhes uma hierarquia em função da sua importância. A essa hierarquia correspondia uma numeração para facilitar a utilização. Instituía três classes sendo a 1.ª a mais relevante. E nesta, estavam as 18 estradas mais importantes cuja designação era “Itinerários Principais”. Sem surpresa, a Estrada Nacional n.º 1 unia as três principais cidades: Lisboa, Coimbra e Porto. A seguir, a EN2 que, ligando Chaves a Faro pelo interior do País, era a coluna vertebral de todo o sistema. Depois, as EN3 e 4 atravessavam o País no sentido transversal. E assim sucessivamente… As Estradas Nacionais espalhavam-se em rede ao longo de todo o território, de tal forma que:
– Todas as capitais de distrito eram servidas por pelo menos um dos itinerários principais e era possível alcançar qualquer uma, percorrendo-os;
– Todas as sedes de município eram servidas por uma estrada nacional;
– As estradas municipais destinavam-se às ligações locais.
O PR também indicava as características técnicas em função da classificação de cada estrada (largura, tipo de curvas, tamanho das bermas, materiais de construção, tipologia das “obras-de-arte”, etc.). A sinalização era definida, por forma a ser utilizada de forma uniforme em todo o território e permitir aos viajantes saberem onde estavam e para aonde iam. Lembram-se dos marcos de pedra à beira da estrada? Os pequenos a cada 100 metros e os maiores a cada quilómetro com a indicação das distâncias e a identificação da estrada? O Plano foi-se desenvolvendo ao longo do tempo – ao ritmo tradicional em Portugal – até que foi substituído, 40 anos depois, pelo Plano Rodoviário de 1985. Este, preparado para receber os milhões europeus, implantou as autoestradas (as As), os itinerários principais (os IPs), os itinerários complementares (os ICs) que bem conhecemos. Todavia, a visão estratégica aqui privilegiou o litoral, ao ponto de o segundo mais importante itinerário principal – o IP2 – ainda não estar acabado já lá vão 40 anos… se bastasse mudar umas placas… São as Estradas Nacionais (do PR45) que servem de roteiros para as nossas deambulações pelos locais mais recônditos, e belos, do nosso País. A estrutura base do Mototurismo nacional.
O Roteiro dos Roteiros!
A VISÃO DE UM HOMEM

Obras visionárias têm por trás alguém com o mérito de ver mais à frente. É o caso do Plano Rodoviário de 1945. Refiro-me ao Eng Duarte Pacheco (o do viaduto em Lisboa…). Ministro das Obras Públicas de Salazar. Algarvio de Loulé, nascido em 1900, engenheiro civil aos 23 anos, catedrático aos 25 e ministro aos 29. Ministro das Obras Públicas de 1932 até 1943 (quando morre), lançou um conjunto de obras que mudaram a face de Lisboa e do País: as Avenidas Novas, a construção do Instituto Superior Técnico e do Instituto Nacional de Estatística ou o primeiro campus universitário em Portugal, o Estádio Nacional e a autoestrada até lá (a EN7, a primeira com esta tipologia, única durante muitos anos), a criação de diversos bairros sociais – Madre Deus, Encarnação, Caselas – a EN6 que todos conhecemos como Estrada Marginal até Cascais, ou o início da construção do Aeroporto de Lisboa. Juntem-se a Fonte Luminosa, o Parque de Monsanto e muitas outras obras, nomeadamente pontes e estradas, ao longo de Portugal foram pela sua iniciativa, num período que desenhou o País como provavelmente nenhum outro no passado recente (e sem fundos europeus)! O Plano Rodoviário Nacional de 1945 foi por si inspirado, mas já não o viu formalizado. Faleceu perto de Vendas Novas, vítima de acidente rodoviário. Triste ironia.

Parei no local onde está um singelo monumento que evoca a sua memória, no local desse acidente. É uma forma de agradecer pelas estradas que percorro e as histórias que vos vou contando. Já agora, se algum dia quiserem celebrar um Dia do Mototurismo, talvez a data de 11 de maio não seja descabida. Fica a sugestão!
EXEMPLIFICANDO!
Disse que o PR45 definia um sistema rodoviário em rede. Circulando por umas e outras estradas conseguimos percorrer todo o País de uma forma ordenada. As principais estradas correm no sentido longitudinal do território ou transversalmente, fazendo uma espécie de “quadricula”. As outras preenchem os espaços ou servem de atalhos que tornam os trajetos mais curtos. Sempre com o objetivo de unir as populações. Para demonstrar, decidi fazer um percurso utilizando troços das quatro mais importantes estradas: da 1 à 4. Este é percurso para ser feito em dois dias, porque há muito que ir vendo ao longo do trajeto e, porque nalguns troços, a marcha faz-se lentamente!
Venham comigo!
ESTRADA NACIONAL 1

A principal é a que une Lisboa ao Porto. Atualmente dedicada a trânsito mais local, pela profusão de autoestradas que unem estas duas cidades. O que não significa que tenha menos trânsito… Fui de Lisboa ao Carregado (até Vila Franca corresponde hoje a uma parte da EN10), onde num cruzamento “à antiga portuguesa” começa a EN3. Até lá, cerca de 30 km revelam-se pouco interessantes e com muito tráfego. Vale pela importância que já teve, mas hoje não é destino que aconselhe, a não ser para chegarmos aos muitos locais que serve ao longo dos seus 300 km. Ainda assim, uma visita ao Palácio do Sobralinho e ao monumento evocativo das Linhas de Torres (uma vista linda!), um passeio pela zona ribeirinha de Alhandra ou conhecer Vila Franca de Xira, vale a pena. Depois é um pulinho até ao Carregado. Se a quisermos percorrer na plenitude, contemos com cerca de 6 horas…para mais! Conta com quatro capitais de distrito no percurso: Lisboa, Leiria, Coimbra e Porto (e não passa longe de Aveiro à qual se chega em breves 15 km pela EN16).
ESTRADA NACIONAL 3

Segue paralela ao Rio Tejo (na maior parte do seu percurso), ao longo de 200 km, do Carregado até Castelo Branco. Em todas estas localidades podemos (devemos) parar e conhecê-las. Passado o Cartaxo, destaco a capital do Românico – Santarém – com os seus monumentos e a espetacular paisagem do miradouro das Portas do Sol, Torres Novas com o seu imponente castelo ou o Museu Ferroviário no Entroncamento – a terra dos fenómenos! – e a paisagem bucólica de Constância. Finalmente, chego a Abrantes. Estamos no centro de Portugal e no ponto onde a nossa EN3 (percorremos 111 km) se cruza com a EN2 (mais propriamente em Alferrarede). Uma visita detalhada a Abrantes, vale a pena. A parte mais interessante da EN3 sob o ponto de vista de condução seria a partir daqui… mas não desta vez. Passaríamos em Mação e depois, em Envendos precisamos de um pouco de imaginação para chegar a Fratel porque a EN3 foi sobreposta pela A23. Mas há um caminho alternativo à autoestrada. Depois, é seguir até Castelo Branco. Estamos a meio da jornada. Talvez Abrantes seja o local ideal para procurar pernoita.

ESTRADA NACIONAL 2
A mais conhecida e a mais comprida: oficialmente 738,5 km (na realidade são menos, porque a estrada foi sofrendo alterações) entre Chaves e Faro. É também aquela que, por certo, muitos de nós já percorremos na íntegra. É uma experiência que se recomenda. Aqui temos a noção da diversidade do território, da pluralidade das gentes, dos diferentes sotaques da nossa língua, da riqueza da gastronomia, etc. Pode servir para roteiros temáticos: os Castelos, os queijos e vinhos, os pratos típicos, as lendas, etc. Curiosamente, só toca três capitais de distrito – Vila Real, Viseu e Faro. Mas atravessa todo o País e é a fronteira entre o litoral mais rico e povoado, e o interior desertificado. Em Alferrarede rumo a sul. Encontro um antigo posto da PVT. Sabem o que era? Era a Polícia de Viação e Trânsito, a força de segurança especificamente dedicada ao policiamento das estradas. Foi extinta e incorporada na GNR em 1970 originando a Brigada de Trânsito.

Estes postos estavam disseminados pelo País e destinavam-se a apoiar a ação da PVT e dar apoio aos viajantes. Inaugurada em 1870, a Ponte de Abrantes, teve portagem durante 75 anos: pagava-se 1 centavo para a atravessar! Do outro lado, no Rossio ao Sul do Tejo temos uma bonita perspetiva de Abrantes e entramos no Alentejo. Começam as grandes retas, que se prolongam até bem abaixo, depois de Almodôvar onde, quase a chegar a Faro, está a parte divertida com as 365 curvas da Serra do Caldeirão. Fui só até Montemor-o-Novo. Apenas 117 km. Passei ao lado de Ponte de Sor e do aeródromo desta terra onde está situado um dos polos de alta tecnologia aeronáutica. Até ao paredão da Barragem de Montargil, seguimos com a bonita albufeira à nossa esquerda. Mais um pouco e estou em Mora (se me tivesse desviado meia dúzia de quilómetros, valia a pena visitar o Fluviário. Mas como já conheço…) Daqui até Pegões, vou repetir o trajeto cujos detalhes já vos contei na edição da Revista MOTOS de novembro passado. Assim vou poupar nas referências. Passo por uma das minhas terras preferidas (desculpem-me todas as outras, que também o são): Brotas.

A visita ao Santuário é obrigatória. Mais à frente, no Ciborro, fica o quilómetro 500 da EN2. Local simbólico a exigir foto, claro! Uma vintena de quilómetros adiante e estou em Montemor-o-Novo. A Av. Gago Coutinho, a principal desta cidade alentejana é também o local onde a EN2 se sobrepõe à EN4: a derradeira estrada nacional desta volta, e que me vai levar até perto de casa. Quase à saída, em mais uma rotunda sigo à direita rumo a Lisboa pela EN4 e deixo à esquerda a EN2 (na maior parte do seu percurso no Alentejo, a EN2 foi renomeada em ER2 – estrada regional 2. Para quê facilitar? Os estrangeiros que a percorrem adoram estas subtilezas nacionais!).
ESTRADA NACIONAL 4
No PR45 esta seria a quarta em importância: afinal, a estrada que segue da capital de Portugal rumo a Espanha e o caminho mais direto para Madrid. “Nasce” no Montijo, numa rotunda por trás dos hipermercados – onde também começa a EN5 que daqui segue para o Torrão, onde encontra a EN2… e atalha o caminho para o Algarve. Ao longo de 185 km, atravessa o Alentejo rumo a Espanha – “Ó Elvas, ó Elvas, Badajoz à vista…”. De Montemor sigo rumo a Vendas Novas. Ainda antes, 16 km percorridos, encontro à direita o monumento que sinaliza o local onde ocorreu o acidente que vitimou o Eng Duarte Pacheco, que lá atrás referi. Em Vendas Novas, o cliché ou o apetite: venha de lá uma bifana! Mais adiante, passo Pegões e cruzo a EN10, que vinda de Cacilhas, passou por Azeitão, Setúbal e daqui segue para Vila Franca de Xira. Deixo Santo Isidro de Pegões e a sua peculiar história para trás, e sem grande história aproximo-me do meu destino: o Montijo. No local onde termina, aponto à A33 porque agora é tempo de atravessar o Rio Tejo. A Ponte Vasco da Gama, cuja construção assisti da janela de casa, há mais de 25 anos, recorda-nos a nostalgia de outro tempo que encontramos nas nossas estradas nacionais criadas pelo Plano Rodoviário de 1945.

CONCLUSÃO
Termino com um desafio: abram um mapa das estradas, escolham um destino (longe de preferência) e depois… tentem lá chegar apenas por estradas nacionais, de preferência pelo maior número possível! Vão gostar…
CLASSIFICAÇÃO DA ROTA
O roteiro dos roteiros
Sinuosidade 3
Declive 2
Panorâmica 4
Cultura e História 4
Diversão 3
Distância 4,5
TOTAL 3,5
ESTRADAS NACIONAIS
– ITINERÁRIOS PRINCIPAIS
EN1 – Lisboa – Porto
EN2 – Chaves – Faro
EN3 – Carregado – Castelo Branco
EN4 – Lisboa (Montijo) – Elvas (fronteira)
EN5 – Montijo – Torrão
EN6 – Lisboa – Cascais (Estrada Marginal)
EN7 – Lisboa – Estoril (auto-estrada)
EN8 – Lisboa – Alcobaça
EN9 – Cascais – Alenquer
EN10 – Lisboa (Cacilhas) – V.F.Xira (depois Sacavém)
EN11 – Trafaria – Montijo
EN12 – Circunvalação do Porto
EN13 – Porto – Valença (fronteira)
EN14 – Porto – Braga
EN15 – Porto – Bragança
EN16 – Aveiro – Vilar Formoso (fronteira)
EN17 – Coimbra – Celorico da Beira
EN18 – Guarda – Ervidel