Começamos 2025 da melhor forma, a recordar mais uma moto icónica do século passado, a Honda XR 600R, cuja fama e feitos notáveis continuam bem presentes na atualidade, além de que a sua procura e interesse no mercado de usados é significativa, mais ainda em exemplares praticamente imaculados, como acontece com este de 1994.
POR Pedro Pereira • Fotos Paulo Calisto / https://www.honda.pt/motorcycles.html
Apelidá-la de “Rainha das Bajas” é um cognome merecido. Ganhou inúmeras provas nos Estados Unidos, incluindo a Baja Califórnia. Em Portugal fez parte do famoso “Troféu Honda XR” e até no Paris-Dakar deu muito boa conta de si. Basta perguntar aos dakarianos Bernardo Vilar e Paulo Marques!
A história da família XR na Honda,sempre com motorizações a quatro tempos, por oposição à família CR, de motores de ciclo dois tempos, começou bem cedo, ainda na década de ‘70, numa época em que a marca nipónica já se afirmava como um grande “player” mundial no mundo das motos.
A sua chegada ao mercado ocorreu em 1979 com a popular e muito apreciada, embora hoje muito rara, Honda XR 500, ao mesmo tempo que era também comercializada uma versão mais estradista e menos radical, a Honda XL 500, bem como as mais “pequenas” Honda XR/XL 250, cuja comercialização se iniciou também na mesma altura. De certa forma a Honda XR 500 era uma resposta à Yamaha XT 500, lançada em 1975, moto verdadeiramente pioneira e que estava a revolucionar o mercado das motos de vocação asfáltica e de fora de estrada, com verdadeiras capacidades em ambas.
Ainda por cima, a Yamaha XT 500 venceu as duas primeiras edições do Rally Paris-Dakar, em 1979 e 1980, o que catapultou ainda mais a sua fama e reforçou a necessidade de reação da Honda, sendo que a primeira vitória surgiu apenas em 1982 com uma Honda XR/XL 550, pilotada por Cyril Neveu, que tinha ganho as duas primeiras edições com a Yamaha XT 500. Nesse mesmo ano a marca reformula profundamente a sua XR/XL 500: mantém a refrigeração a ar ou o motor de ciclo a quatro tempos, mas os dois amortecedores traseiros evoluem para o sistema Pro-Link e as válvulas passam a ser radiais (RFVC), opção que se veio a mostrar muito acertada e acompanhou toda a vida do modelo.
Não trazemos aqui para análise as versões de dois cilindros em V (XRV) que surgiram no final da década de ‘80, pensadas para os “rallys”, com a pioneira XRV 650, da qual declinam as populares Africa Twin. Percebendo o real potencial do modelo a marca começa com outras declinações, para abranger um maior leque de possíveis clientes: ainda em 1981 lança a XR 200R, em 1983 a XR 350R (vieram para Portugal algumas na declinação XL 350), em 1985 a XR 600R que aqui lembramos, a XR 650L em 1993, a XR 400R em 1996, a 650R em 2000 e assim sucessivamente, mas vamos focar a nossa análise na XR 600R, cuja carreira comercial vai até 2000, sensivelmente.
Performance brutal e fiabilidade a condizer
Quando chegou ao mercado em 1985, a Honda XR 600R rapidamente se mostrou como uma moto ganhadora, mas no Japão perceberam que era necessário fazer algumas alterações para a tornar ainda apetecível, além de que era necessária corrigir também algumas das suas limitações, caso da travagem traseira ou da carburação algo delicada.
Em 1988 foi profundamente revista e manteve-se quase inalterada até ao fim da sua carreira, em 2000. Passou a ter apenas um carburador e de maiores dimensões, bem como um travão traseiro também de disco, abandonando o vetusto tambor. A XR 600R estava agora melhor que nunca e os cerca de 140 kg a cheio faziam dela uma arma temível, mesmo“stock”. O monocilíndrico a quatro tempos, de 591 cc, com refrigeração a ar debitava uns saudáveis 46 cv às 6000 rpm e um estrondoso binário de 52 Nm logo às 5500 rpm.
Um verdadeiro trator, acompanhado de umas suspensões que podiam facilmente ser melhoradas, um quadro rígido e um sistema de travagem eficaz. Ainda por cima, a fiabilidade era inquestionável, quase indestrutível. Óleo do motor mudado regularmente, filtro de ar limpo e válvulas afinadas e estava a receita garantida, fosse para a pura diversão de fim semana, fosse para ganhar corridas!
Sensações de condução
Especial agradecimento ao David Carvalho, proprietário deste exemplar, que está num estado de conservação que se aproxima a uma moto de concurso. A esse facto não é alheio o esforço e investimento feito ao longo do tempo para que a moto esteja totalmente original, mesmo quando existem peças que é mesmo muito difícil de obter, caso do silenciador de escape. Como ele próprio orgulhosamente contou, o plano inicial era comprar uma moto barata, num estado aceitável, destinada a umas voltinhas de “off-road” e na qual as eventuais quedas e mazelas não fossem motivo de preocupação, mas não contou com um imprevisto. A XR 600R acabou por o seduzir de tal forma que tomou uma decisão radical: devolver-lhe a forma e esplendor que tivera inicialmente!
Foi necessário desmontar toda a moto até ao mais ínfimo pormenor, motor incluído, mas depois ocorreu novamente o inesperado: o resultado foi tão bom que não teve coragem de lhe dar o uso previsto e tornou-se incapaz fazer “off-road” a sério com ela.
Só de olhar para a moto percebe-se que é uma verdadeira moto de corridas, com suspensões de longo curso e elevada altura ao solo e tudo é minimalista. Até os manómetros são de uma moto dadora e não têm relevância na quilometragem real deste exemplar. Colocar em funcionamento implica o ritual de procurar com o pé direito em movimentos ascendentes e descendentes o ponto morto superior (PMS), aliviar ligeiramente com o descompressor manual e depois baixar a perna com decisão, sem nunca tocar no acelerador.
Se tudo estiver ok, nomeadamente em termos de carburação ou estado do motor, a magia acontece com facilidade e com motor de origem é muito fácil de colocar em funcionamento. A posição de condução é surpreendentemente agradável para uma moto deste perfil, as suspensões são bastante macias, com muito curso e a esponja do assento uma delícia,
perfeita para longas tiradas. Aliás, de origem, as Honda XR sempre foram populares por um nível de conforto acima da média.
Toda a condução é divertida, o motor sobe rapidamente de rotação e mesmo sem o auxílio da embraiagem a roda dianteira descola com inusitada facilidade do asfalto, até em mudanças mais altas. Por isso, é para conduzir com juízo no asfalto e com piso molhado facilmente nos coloca em apuros, até porque não existe qualquer eletrónica de salvaguarda, nem mesmo uma singela bateria.
Destaque, pela negativa, apenas para o ruído. Claro que nesta época não era uma questão premente como é hoje, mas a prática comum de retirar o “enchimento” da ponteira do escape permite tornar o motor ainda mais vivo. Porém, o som emanado torna-se demasiado gutural, nomeadamente em espaço urbano e não é de todo recomendável numa utilização regular.
Notas finais
Mais uma moto icónica e que merece toda a fama que foi amealhando. Não é tão universal e amigável como a sua irmã um pouco mais pequena XR 400R, nem tão poderosa e letal como a sua sucessora Honda XR 650R, mas continua a marcar gerações.
Ter a oportunidade de conduzir esta XR 600 acaba por ser também uma forma de despertar em nós boas sensações e o comentário que apetece proferir é: já não se fazem motos destas!