Teste BMW R18, a herança de Berlim
texto de Pedro Alpiarça
Introdução
4 anos de desenvolvimento. 1800 cc. Motor de dois cilindros opostos (este boxer tem 97 anos…). 345kg de motociclo dos quais quase um terço é motor e caixa. Entre as 2k e as 4k produz qualquer coisa como 158 Nm de binário, num planalto de força interminável. Os seus 91cv são o quase dobro do motor que equipava os carochas dos anos 70. Porquê esta comparação? Porque a BMW R18 descende da uma moto que foi uma referência para a marca bávara: a mítica R5. Vamos começar por aí…
Não é à toa que os nossos últimos ensaios estejam associados a este espaço (Museu do Ar). A aviação esteve na génese da BMW, sendo que os seus primeiros motores tinham como objectivo servirem de propulsores para aviões.
Daí às motos foi um salto, e esta R5 mostra todo o brilhantismo da marca nesse processo. Foi a primeira moto a ter o atuador da caixa de velocidades nos pedais, abandonando assim o chamado suicidal shift que tantos arrepios causava na sua utilização. A disposição dos comandos no guiador também foi revolucionária, muito semelhante ao que encontramos hoje em dia nas nossas máquinas.
O motor boxer de 400 cc roçava uns loucos 135 km/h, números apenas atingidos por alguns carros desportivos. O quadro em duplo berço as forquilhas telescópicas também foram inovações importantes, tornando a R5 numa moto de referência em provas desportivas. Produzida apenas durante dois anos e de valor bastante elevado, o seu reinado foi efémero mas vincádamente revolucionário na indústria do mundo das duas rodas. Os poucos exemplares restantes hoje em dia são muito apreciados. Basta vê-las orgulhosas no Goodwood Festival.
Design e Motor
Esta é a herança que e carrega com orgulho. Nas suas linhas, a história repete-se. O quadro em duplo berço com o mono-amortecedor escondido, que nos faz lembrar uma secção traseira rígida, o cardan exposto, os escapes fish tail, o depósito em forma de gota com as duas linhas brancas, a cobertura das forquilhas, e obviamente o motor Boxer, são dejá-vus num feliz reencontro com o passado.
“Soul is all that matters” é o mote da R18. E a alma desta máquina é o seu motor. Refrigerado a ar e óleo, cumprindo as normas Euro 5, é o maior alguma vez desenvolvido pela BMW para uma moto, e se dos números já falámos, deliciemo-nos com a sua simplicidade estética. Imponente, sem cablagens à vista, apenas as bonitas hastes das válvulas em cromado.
A clássica distribuição OHV de dupla arvore de cames, conta com 4 válvulas por cilindro, ignição dupla e cabeças dos pistons em alumínio.
E porque do clássico se faz novo, a transmissão conta com um amortecedor de vibrações torcional, que funciona como um elemento anti-deslizante mecânico na roda traseira. Estamos a falar de 1800cc…num boxer. Na verdade, a engenharia desta BMW R18 é uma ode a um futuro cada vez mais difícil para os amantes de motores a combustão.
Condução
Em andamento, o mundo pára para nos contemplar. A maneira sumptuosa em como ela marca a sua presença, dá-nos a exclusividade e um sentimento de pertença únicos, como se homem e máquina fossem um só. Nesta equação a BMW torna-nos também homens de Berlim, saídos de um filme de época com pose confiante e quase aristocrática.
A suavidade deste motor e a excelente parametrização do sistema de injeção, faz com que não existam sobressaltos no ataque ao punho, facto impressionante tendo em conta a volumetria e arquitetura do mesmo. Tivemos o infortúnio de conduzir à chuva, e a complacência do modo Rain e do controlo de tração ASC foram fundamentais para nos dar confiança ao rolarmos com uma máquina tão pesada e com tanto binário. A R18 consegue ser graciosa a esconder o seu peso, graças ao baixo centro de gravidade proporcionado pelo enorme boxer.
Assim que o sol abriu e o tapete negro secou passamos para o modo Roll…por 2 minutos. Sabem quando o publico está ansioso por começar o concerto, e a energia começa a subir por antecipação?
Rock ON. Era altura de soltar todas as notas deste motor, sentir as suas vibrações, navegar a sua onda de força. As primeiras vezes que lhe pedimos tudo, ficamos estupefactos. E a seguir, viciados. O efeito que aquele punho direito tem no nosso sorriso, é interminável, há qualquer coisa de infantil na maneira como redescobrimos o prazer de sermos unos com uma máquina. Os 900cc de cada cilindro em permanente batalha por supremacia, o som embrulhado e rouco do escape, as unhas cravadas no guiador enquanto o pescoço pede clemência…tudo isto com massa, inércia e volume. Com o binário acima dos 150 Nm em todo o seu médio regime, torna-se avassaladora a maneira como ganha velocidade, a BMW R18 pede para ser pilotada com atitude. A unidade por nós ensaiada vinha com plataformas de apoio aos pés ao invés das normais peseiras,
o que significa que tínhamos duas alavancas para engrenar as velocidades, a ponta do pé reduzia, e o calcanhar subia as mudanças. Na práctica, era um race-shift de calcanhar! Com o aumentar dos ritmos, a posição de condução de pernas encolhidas (não dá para evitar as enormes cabeças deste motor) fez todo o sentido, é mais fácil de controlar a nossa posição corporal em relação à moto. Os puristas dirão que uma cruiser tem de ter os pés mais avançados…mas para isso existe no catalogo de acessórios umas plataformas para secarmos as meias em cima do Boxer.
Adorámos a travagem os duplos discos de 300mm e pinças de 4 pistons, são exímios no seu trabalho, mesmo quando as leis da física nos dizem ser impossível parar este colosso. A R18 apresenta-se tão estável e confiante em curvas mais rápidas, que de repente gostaríamos de ter mais ângulo de inclinação, raspar material deste acaba por sair caro…
Foram poucas as vezes que a suspensão traseira simplesmente desistiu, mas quando o fez, lembrou-nos que descende de uma secção rígida (é melhor não nos queixarmos muito e darmos graças por ela lá estar).
O conforto de rolamento em toadas mais calmas, a ausência de vibrações exageradas, e a qualidade de tudo o que nos rodeia, faz com as viagens em direcção ao horizonte sejam momentos de contemplação, gratos por poder usufruir de uma máquina tão especial. Por todo o lado, a inscrição Berlin Built, mostra-nos o orgulho e a dedicação que marca tem por este modelo.
O estilizado e simples velocímetro analógico tem a bonita marca de 200km/h. E não mente por muito… De entre as habituais informações como odómetro, modos de condução, relógio, consumos, voltagem da bateria…não encontramos uma importante indicação de autonomia. Porque a R18 também não tem indicador de combustível, achamos por bem testar quantos quilómetros conseguiríamos fazer na reserva…e em plena auto estrada. Foi divertido não passar dos instantâneos 5,0 l/100 com um TIR a fazer pressão nos espelhos.
Já refeitos do susto, na hora da contemplação, perdemos-nos nas linhas intemporais e analisamos os possíveis extras que acrescentaríamos. Para além da muito útil marcha atrás, de funcionamento elétrico associado ao motor de arranque, a unidade ensaiada tinha também punhos aquecidos. Gostaríamos de um cruise control, de um Hill assist, do nosso farol led mas com cornering lights…mas sobretudo de um indicador de combustível. Isso é que era..
Acessórios
Esta cruiser tem um enquadramento muito específico. Pisca o olho aos seus amantes dos dois lados do Atlântico. Se a Oeste temos exuberância e estilo de vida, no velho continente a história da marca tem um maior peso nos seus seguidores.
Com pormenores específicos, a First Edition caracteriza-se pela a pintura preta com as linhas brancas no depósito e guarda-lamas, a enorme profusão de cromados, o simbolo first edition e o logotipo da BMW no banco.
Claro que faz parte da experiência de ser proprietário de uma moto deste género, a sua costumização.
E aqui todo um mundo se abre. Podemos alterar os componentes estéticos e até dinâmicos desta máquina. Jantes maiores, plataformas como poisa-pés, plataformas para colocar os pés por cima do Boxer, guiadores mais altos, escapes de rendimento, vidros, assentos, cabeças de cilindro maquinadas, tampa do motor maquinado, tampa do depósito maquinado, a lista é interminável.
Marcas de renome como a Vance & Hynes, Roland Sands ou Mustang associaram-se à BMW Motorrad para realizar todos os desejos de um proprietário. A experiência de aquisição de uma R18 é tão bem pensada que a marca entrega um caixa com merchandising, um livro e 3 logotipos em cobre (e as respectivas luvas para os montar). Fantástico. Mais ainda se pensarmos que tal como no caso da RnineT, virá daqui toda uma família conceptual. Em boa verdade, nos dias em que ensaiamos este modelo, saiu uma versão Classic para 2021 (com malas, iluminação extra e vidro alto), mais user friendly para longas tiradas.
Conclusão
Como sabem, nós na moto+ somos apaixonados por motos. Independentemente do segmento, há propósito em todas elas. Mas esta peça de engenharia confunde-se com arte, com história, com alma e coração. Este velhinho Boxer (quase centenário) provou mais uma vez ter um carisma que nos faz acreditar que os motores a combustão não irão desparecer nunca. A BMW R18 é uma moto exclusiva, para quem sabe o quer e sobretudo, tem capacidade para o ter. Eu tinha uma na sala, se pudesse.
Mais:
- Herança Histórica
- Presença
- Motor
- Travagem
Menos:
- Ausência de indicação de nível de combustível e autonomia
Ficha Técnica:
- Motor: Bi-cilindrico Boxer; 1802cc; 4 válvulas por cabeça OHV; refrigerado a ar e óleo
- Performance: 158Nm @ 3000rpm ; 91cv @ 4750rpm
- Quadro: Duplo Berço em aço
- Suspensões: Forquilha telescópica ; Mono amortecedor
- Travagem: Disco duplo 300mm com pinças de 4 pistons; Disco 300mm
- Transmissão: Caixa de 6 velocidades; veio (cardan exposto)
- Dimensões, Peso, Combustível: 2440mm ; 345kg ; 5,6l/100km com 16l de capacidade
- Preço: a partir de 23 626€
Competidores
- HD Softail Slim ( 19 950€ ; 145Nm ; 304 kg )
- HD Fat Boy 2020 ( 22 500€ ; 145Nm ; 317kg )
- Indian Vintage Dark Horse ( 27 490€ ; 168Nm ; 350kg )
- Moto Guzzi MGX-21 ( 24 246€ ; 121Nm ; 341kg )
O nosso especial agradecimento ao Museu do ar, venham visitá-lo, existem aqui outras máquinas que fizeram história, e quem as pilotou hoje em dia ainda nos inspiram. Toda a informação em museudoar.pt
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