A britânica BSA é mais uma das marcas históricas europeias que desapareceram do mapa mas têm agora a oportunidade de uma segunda vida pela mão de grupos económicos asiáticos. Vamos recordar a sua história.
POR LUÍS CARLOS SOUSA • FOTOS BSA E ARQUIVO
Quando, em 2016, o grupo indiano Mahindra, através da sua subsidiária Classic Legends, anunciou a aquisição dos direitos sobre dois nomes históricos da indústria motociclística europeia, a britânica BSA e a checa Jawa, estes vieram juntar-se ao lote de marcas de motos que, desaparecidas (ou quase) na sequência do colapso da indústria europeia na década de 1970 – muito devido à chegada em força dos construtores japoneses -, passaram a ter uma segunda oportunidade. E, em alguns casos, como foi o da aquisição da Norton pela indiana TVS, até uma terceira…

O precedente histórico já vem dos anos cinquenta do século passado, quando a Royal Enfield se transferiu para a Índia (primeiro produzindo sob licença e, mais tarde, enquanto proprietária da marca), com o passado colonial do país a criar laços culturais e comerciais com a antiga potência colonizadora que permanecem bem vivos, agora com o poderio económico a vir do oriente.
Mas o maior caso de sucesso recente veio da China, com a compra da Benelli pela Qian Jiang a traduzir-se num importante êxito comercial para as motos da marca nascida em Pesaro, que poderá agora repetir-se com a aquisição dos direitos ao nome Morbidelli pelo Grupo Keeway pertencente ao mesmo conglomerado, controlado pelo verdadeiro gigante da indústria automotiva que é a chinesa Geely.
Será que, já com o caminho aberto pela Royal Enfield, as novas propostas vindas da Índia, que pretendem ressuscitar nomes gloriosos da indústria britânica das duas rodas no século XX, irão igualmente trilhar a senda do sucesso? Vamos acompanhar estes primeiros passos da renascida BSA mas não queremos esquecer o seu passado.
Das armas para a estrada

A BSA, sigla que origina de Birmingham Small Arms, foi um dos construtores de motos cujas origens surgem a partir da indústria do armamento – outros exemplos são o da Enfield, conterrânea (e contemporânea) da BSA, ou, se recuarmos um par de séculos, o da sueca Husqvarna, cuja fundação assentou também no fabrico de armas.
Na origem da BSA esteve um período de crise nacional em termos de escassez de armas e munições, causado pelo350 envolvimento britânico (1854-1856) na Guerra da Crimeia, quando as forças armadas de Sua Majestade se juntaram à França para apoiar o Império Otomano contra a Rússia, na disputa por aquela península de grande importância estratégica no Mar Negro – e, aparentemente, pouco mudou desde então…
O governo britânico convocou então 16 armeiros de Birmingham – coração de um dos grandes centros da Revolução Industrial, numa Inglaterra que era então reputada como ‘The Workshop of the World’ – para produzirem um fornecimento regular de armas. Reunidas numa associação empresarial, a Birmingham Small Arms Trade Association, essas pequenas empresas acabaram por se unir transformando-se, corria o ano de 1861, na BSA Company Ltd., ponto em que começa oficialmente a história da empresa.
Iniciando a atividade nas históricas instalações de Small Heath – bairro de Birmingham onde teve lugar muita da ação da série de culto ‘Peaky Blinders’, com parte da trama da temporada inaugural focando-se precisamente num roubo de armas na fábrica da BSA -, as crescentes exigências da produção obrigaram a uma contínua ampliação da fábrica, que produzia armas e munições para as forças armadas britânicas e de vários outros países, incluindo Portugal. Mas, em 1880, com as encomendas de armas a não bastarem para manter a fábrica e os funcionários em plena laboração, a BSA decidiu diversificar a produção, iniciando-se então no fabrico de bicicletas e triciclos, que viriam a ser reconhecidos como estando entre os melhores da sua época.
Sucesso logo à partida

As motos chegariam bastante mais tarde. No início do século XX, em 1902, a BSA começou por produzir quadros de bicicleta preparados para receberem motores auxiliares, quadros esses que foram aperfeiçoados em 1905, altura em que já se estudava aquela que viria a ser a primeira moto da BSA. Esta foi apresentada em novembro de 1910, na ‘Cycle and Motorcycle Exhibition’ realizada nos pavilhões do Olympia Show. O modelo 3 ½ h.p. seria colocado à venda em 1911 com um preço que começava nas 50 libras, revelando-se um sucesso imediato, com toda a produção esgotada nos primeiros três anos de comercialização. Em 1914 a BSA apresentou o ‘Gradual Payment System’, um sistema de pagamento às prestações para as bicicletas e motos da marca, que foi muito bem recebido, numa época em que a Europa entrava na Grande Guerra e a produção se voltava a focar quase exclusivamente no esforço de guerra e, consequentemente, no fabrico de armas e munições.

Mas não tardou muito, após o final do conflito, para que a BSA voltasse a apresentar novidades nas duas rodas, com a sua primeira ‘v-twin’ a ser apresentada no final de 1919, a Model E de 770 cc e 6 cv de potência, três velocidades e transmissão final por corrente. A Model E seria produzida até 1924, apesar de estar já em produção desde 1922 a Model F de 986 cc, um modelo que, com várias modificações, seria a base das bicilíndricas da BSA até à II Guerra Mundial, a par das monocilíndricas C10 e C11 e das famosas Gold Star, que foram produzidas desde 1939 até ao início da década de 1960.

A II Guerra Mundial foi um período em que as motos BSA também marcaram presença com a M20, uma ‘quinhentos’ monocilíndrica que foi das motos mais utilizadas no conflito, ao mesmo tempo que a empresa se empenhava a fundo no fabrico de armamento, desde armas ligeiras às metralhadoras Browning 303 que equiparam todos os Spitfire e Hurricane em cenários tão cruciais como a Batalha de Inglaterra – envolvimento que lhe valeu ser alvo de mais do que um raide aéreo por parte da Luftwaffe, o mais grave dos quais aconteceu na noite de 19 de novembro de 1940, quando 440 aviões inimigos lançaram um amplo bombardeamento sobre Birmingham, resultando em 52 trabalhadores mortos e 89 feridos na fábrica de Small Heath.

Uma cópia que valeu ouro
Após a guerra, uma das reparações que os aliados receberam foi a disponibilização dos planos daquela que viria a ser uma das motos mais copiadas da história, a alemã DKW RT 125 – moto que deu origem a vários modelos de marcas russas, americanas e mesmo japonesas (caso da primeira moto Yamaha, a YA1 de 1955), para além, claro, daquela que viria a ensinar boa parte de uma geração de motociclistas britânicos a andar de moto: a BSA Bantam, da qual terão sido produzidas um número que andará entre 350 a 500 mil unidades desde 1948 até 1971.

Este período foi a rampa de lançamento para a BSA alcançar o estatuto de maior construtor mundial de motos em 1951, na sequência da aquisição da Triumph nesse mesmo ano, após já ter juntado ao seu portfólio a Sunbeam em 1943 e a Ariel em 1944.
Mas os primeiros sinais do ‘desembarque’ das marcas japonesas começaram a fazer-se sentir logo no final dos anos cinquenta, um fenómeno que, ao longo da década seguinte e inícios da década de 1970, viria aniquilar parte significativa da indústria europeia de motos, um efeito sentido principalmente entre as marcas inglesas.

Em 1972, um plano governamental fundiu a BSA com a Norton-Villiers, criando a Norton-Villiers-Triumph para tentar salvar o que restava da indústria britânica do sector. Mas o plano não funcionou e a última moto BSA foi produzida em 1973, apesar de algumas tentativas esporádicas de fazer reviver a marca nas décadas seguintes.
Já na esfera do Grupo Mahindra, em 2021 é apresentada a nova Gold Star, aproveitando a designação de um dos modelos mais icónicos da BSA para lançar uma roadster monocilíndrica de 652 cc, de estilo retro, a que se juntou a recentemente apresentada B65 Scrambler. Com preços atrativos, graças à produção na Índia, imagem bem conseguida, qualidade de construção e o forte apoio económico do grupo em que agora se insere, esperamos finalmente ver a BSA a ter a nova vida que merece!
